Zinha - O talento não tem idade

21-05-2021

Maria de Lurdes Moura Pires, a Zinha como é conhecida, é uma jovem talentosa de 96 anos.

Costura, faz tricot, cozinha, pinta, pratica exercício, entre os quais Pilates, que desde que descobriu veio para ficar...

A pintura chegou na sua vida tarde, mas não há tardes na vida.

"Quando era pequena não pintava. O meu irmão Cabé, com 14 anos menos do que eu, era o artista da família. Ainda pequeno, davam-lhe um pedaço de papel, e com lápis ou tesoura saía sempre uma obra de arte".

O Cabé tornou-se um artista multifacetado. Começou a sua profissão fazendo maquetes, chegou a ser o primeiro maquetista de Paris. Depois versou por outras artes, a gravura, a pintura, a escultura.

"O Cabé é que era o artista da família." - Diz Zinha.

Foi em 2015, com 89 anos, que surgiu a possibilidade de ter aulas de pintura.

"Quando passava em Entrecampos, havia uma loja onde via as pessoas a pintar lá dentro e sentia-me curiosa".

Afinal era um espaço da Junta de Freguesia de Alvalade que dava aulas para seniores. Entrou e decidiu experimentar. Aprendeu várias técnicas, aguarela, óleo, carvão, e descobriu a artista dentro de si.

"Chegámos a fazer uma exposição em Alvalade".

Foi bom, gratificante mas não é isso que a move. Para a Zinha, pintar é um ato criativo, um prazer, uma evasão.

Os tempos de pandemia foram duros para todos nós mas foram em particular duros para os mais velhos e para os que vivem sozinhos.

"Eu não tenho medo de morrer" diz-me a Zinha. "Tenho 96 anos, já vivi muito, passei pela guerra..." E passou pela morte do irmão, do marido, de dois dos quatro filhos.

Estar isolada em casa, sem poder ir às aulas de Pilates e de pintura, sem poder ver e estar com gente foi o mais difícil.

As aulas de pintura continuaram por Zoom e a Zinha aderiu, mas "não é a mesma coisa, é chato, só se aprende a desenhar e a trabalhar as sombras", diz ela.

"Mas eu não paro, tenho o meu programa diário de ginástica, faço flexões, dou vários passos na varanda...". Disse-me ela durante a pandemia.

"Mande lá esse programa, Zinha que eu gostava de ver".

E ela enviou-me um e-mail com o seu plano de exercício diário.

Até fiquei cansada só de ler.

Querem saber? Estão preparados? Então aqui vai:

Sentada numa cadeira:

  • Sentar e levantar com os braços estendidos a altura dos ombros: 20 vezes;
  • Sentar e levantar com os braços estendidos junto às pernas: 20 vezes;
  • Colocar uma almofada entre as pernas e apertar: 12 vezes;
  • Levantar os braços bem esticados: 12 vezes;
  • Levantar as pernas alternadamente: 12 vezes.

Em pé apoiada numa cadeira:

  • Levantar em bicos dos pés: 20 vezes;
  • Levantar os joelhos alternadamente: 20 vezes;
  • Levantar as pernas lateralmente, direita e esquerda: 20 vezes.

Já estão cansados? Esperem que ainda não acabou.

Deitada no chão com as pernas dobradas:

  • Levantar o rabo: 20 vezes;
  • Levantar as pernas alternadamente: 20 vezes;
  • Colocar o pé sobre a perna, alternadamente, e levantar o rabo: 12 vezes.

Alongamentos:

  • Puxar os joelhos ao peito com as duas mãos: 30 vezes;
  • Sentada no chão e aproximar as mãos dos pés, tanto quanto possível.

"Já fiz hoje" acrescentava ela no e-mail. Eram 9 da manhã!

Se quiserem podem experimentar, mas sugiro que façam só metade das repetições para não desanimarem.

Com o início do desconfinamento, a Zinha voltou às aulas presenciais. Agora faz ginástica num espaço no jardim de Teixeira de Pascoais duas vezes por semana. A primeira vez foi de táxi, mas depois descobriu uma alternativa.

"Há um autocarro pequeno que só faz o circuito de Alvalade e que vai quase sempre vazio".

Para cá vem a pé.

Também voltou à pintura presencial, uma manhã por semana, e às aulas de Pilates que são por Zoom duas vezes por semana.

"Tenho todos os dias ocupados. À segunda e sexta tenho aulas de Ginástica, à terça e quinta Pilates e à quarta Pintura".

Entre muitas outras coisas, durante a quarentena, a Zinha tricotou 1 casaquinho, 35 gorros e umas quantas botinhas de criança. De vez em quando partilhava as fotografias comigo.

"Para quem é esse casaquinho tão lindo, Zinha?"

"Para uma criança que tenha frio".

Há uma frase popular que diz "Velhos são os trapos".

Eu, que gosto de fazer criações com sobras de tecido, diria que "Velhos? Nem os trapos!".

Hélia Jorge