Viver a vida de fora ou de dentro
Nos últimos tempos tenho vindo a refletir e a debater com algumas pessoas a questão " A vida vive-se lá fora ou vive-se cá dentro?"
Não, não me refiro a viver no estrangeiro ou em Portugal (também dava um bom debate :-)), mas sim saber se a vida é o que acontece ao nosso redor ou o que acontece dentro de nós.
Num dos extremos, estão as pessoas que só vivem para o exterior. Essas pessoas estão sempre informadas de tudo o que se passa no mundo, sabem todos os passos do político X, todos os detalhes da vida pessoal da celebridade Y, todos os episódios da crise do banco Z,...Isto dava outro tema de conversa, eu cá tenho a teoria que 10% do que lemos e ouvimos nos "media" é informação (e aqui estou a ser generosa) e os restantes 90% são desinformação e lixo tóxico...
Algumas dessas pessoas, no entanto, não conhecem o seu vizinho, não conseguem olhar nos olhos de ninguém, não conhecem nem controlam as suas emoções, não se conhecem e sobretudo não perdem um minuto a pensar nisso.
Há quem cuide muito do seu aspeto exterior, do que veste, do carro que tem, do ipod, ipad, iphone e outros i-qq coisa, mas fogem de olhar para o seu interior como o diabo da cruz.
No outro extremo, estão as pessoas que se dedicam muito ao seu "Desenvolvimento Pessoal".
Confesso que este e outros termos me estão a causar urticária porque a expressão "Desenvolvimento Pessoal" tem sido um pouco abastardada. Há terapeutas, coachers, especialistas de "Desenvolvimento Pessoal" por toda a parte e vai do tradicional coaching às terapias ditas alternativas, tudo é desenvolvimento pessoal...e, como em tudo, há quem seja realmente bom no que faz mas há também muito mercantilismo que se aproveita da cada vez maior baixa autoestima, que os tempos que vivemos e uma cultura ocidental do "nunca nada chega" geram.
E, assim, neste extremo, há pessoas que passam a vida a analisar o seu interior e a experimentar as várias técnicas para fazê-lo.
"Ah, sabes, no outro dia experimentei a terapia...foi brutal, muito revelador".
"E resultou? Ficaste melhor?"
"Na altura sim, mas agora estou na mesma, acho que vou ter que lá voltar".
Ah pois é, é que não basta olhar, é necessário fazer alguma coisa sobre o que se viu e realmente querer mudar. E esse fazer alguma coisa às vezes dói e dói muito.
Muitas vezes, as pessoas que permanentemente se auto-analisam são também aquelas que nunca dão um passo na vida.
Não me interpretem mal, eu acredito que o caminho interior é um trabalho muito importante e um trabalho contínuo, não tem fim, mas acredito também que é preciso agir, que não se pode ficar em "Analysis Paralysis". Só a ação gera mudança.
Quando comecei a tirar o curso de hipnoterapia estava encantada com a descoberta do poder da nossa mente e de como é possível ir resgatar os nossos traumas de infância e libertar. Em rigor, não se trata de libertar mas sim, como fui aprendendo, de integrar. Libertar é deitar fora, integrar é aceitar aquilo também como uma parte de nós. E isto faz toda a diferença.
Um dia, no regresso de mais uma dessas aulas fantásticas e despejando o meu entusiasmo no meu marido, que ouvia com atenção mas ao mesmo tempo com algum distanciamento de quem é 100% racional, ele disse:
"Nesse caminho do conhecimento interior não te esqueças de viver..."
Muito sábio, este meu companheiro :-)).
E essas palavras marcaram-me muito e desde então tenho feito um grande percurso interior e aprecio cada vez mais a vida!
Se posso dar um conselho... "Vive lá fora, vive cá dentro... mas Vive!"
Hélia Jorge
Fotografia de Hélia Jorge