Transições e Reflexões

15-04-2021


Aos quarenta anos ninguém pensa na reforma - isso é coisa para velhos e de repente estamos lá ou lá perto e não nos sentimos velhos... nem somos.


O que estranho agora é apresentar-me pelo meu nome sem acrescentar o nome da empresa onde trabalho, diz Isabel que, mais cedo do que o previsto, decidiu reformar-se.


O Manuel saiu mais cedo da multinacional onde estava, rescindiu o contrato de trabalho com um bom envelope, a mulher ainda trabalha e de repente viu-se só em casa com todo tempo do mundo... Foi visitar todos os museus de Lisboa que nunca visitara, inscreveu-se no Clube de golfe mas só foi às primeiras duas aulas. E agora que fazer?

Os amigos deixaram lentamente de ligar, depois quando ligam já não dá para falar da empresa nem é tema que lhe interesse, pelo que a conversa resume-se a duas piadas sobre futebol e pouco mais. Os amigos continuam na sua vida a correr, a verem voar os dias e os meses...

Ele não sabe o que fazer às dúzias de gravatas ou aos fatos que se acumulam no armário sem lhes tocar. Devia ter pensado há muito mais tempo nisso, no que fazer no day after...É um período estranho esse da transição do mundo laboral e activo para outro mundo, o verdadeiro que só tem pessoas e não gestores, consultores e powerpoints...


Maria está feliz com o tempo todo o mundo. Nunca pensou que iria rapidamente esquecer a empresa e o stress do escritório e dos prazos para o Tribunal. É advogada, trabalhou trinta anos até ao dia em que anunciou aos sócios a sua saída. De um dia para o outro...assim sem mais nada.

Já sem os filhos em casa, decidiu que tinha muitas viagens de lazer que foram sendo adiadas e muito mundo para conhecer. A pandemia apanhou-a algures no Tibete. Regressou com dificuldade a casa, mas todos os dias trabalha nas próximas viagens. Escolhe percursos, Hotéis e voos. Já pensou que poderia ter um negócio nessa área, mas rapidamente o subconsciente chamou-a à razão...nada de mais compromissos de trabalho.


Agora sem fato de trabalho e sem preocupação de amanhã, sem ninguém a ligar-me ou a marcar-me reuniões, finalmente sou eu. Pela primeira vez na vida encontro-me comigo sem conveniências laborais nem de agradar ao patrão nem de agradar ao exército que enche a empresa de que sou o líder....O meu orçamento da empresa é o meu dinheiro, a minha actividade é aquela que eu quiser ter...

Estou em transição...

Mas sei que há muita gente a transitar no país e no mundo para uma nova maneira de viver...Gostava de saber o que fazem...

José Lopes de Araújo