Tradições de uma toura ligada à gastronomia
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"Tradições" palavra que do latim (tradere) significa entregar a alguém, a tradição é uma transmissão oral ou escrita de algo que é considerado como precioso e importante para as gerações vindoiras, tanto podem ser notícias, testemunhos, recordações, provérbios ou hábitos.
Cada vez mais as tradições se vão perdendo pois tudo é muito veloz e volátil e, com tanta informação ao dispor, elas deixam de fazer sentido por serem consideradas desatualizadas.
Tendo sempre sido uma "enfant terrible", foram poucas as coisas que achei importante que os meus antecessores me pudessem passar e que pudesse considerar como tradição. Viver sempre em busca do diferente, do "never done before", do quebrar com o passado, foi sempre uma constante na minha vida, no entanto, confesso que a degustação e o olfacto me traem e, aí sim, tenho algumas tradições que mantenho vivas.
Para o pequeno almoço do dia de Natal faço sempre fatias douradas. Não creio que consiga entregar esse legado à minha descendência mas eu seguramente recebi-o e, recebi-o com muito carinho e, um cheirinho que me transporta sempre à mamã. A mamã levantava-se cedo e eu acordava com o cheirinho das fatias, um cheiro tão reconfortante que, ainda, hoje quando as faço, me sinto a ser acariciada pela mamã, um cheiro que me transporta a ela.
Com o amadurecer passei a dar sentido àquelas tradições que não tinham significado até então.
Quando a laranjeira da sogra carrega em força e dá aquelas benditas laranjas, seria um crime não as aproveitar ao máximo e, assim, faço as cascas de laranja cristalizadas como fazia a avó e como fazia a mamã. Sim, naquela época faziam estas delícias porque tinham que dar o máximo de rendimento aos alimentos e, claro, doces de compra eram coisas que não existiam.
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Com os anos fui "desviar" tradições dos outros. Agora que sou uma agricultora um dia por semana, passei a fazer as belas das favas com chouriço. São um espetáculo, porque acabadas de apanhar e cozinhadas têm um sabor de outros tempos. Convidamos os miúdos (over 30s) para se deliciarem e, dizem sempre, "o avô também fazia assim, só que tínhamos que as apanhar e descascar".
Quando é época do feijão verde já se sabe esperam de mim os míticos peixinhos da horta, também estes os herdei da minha mãe, uma preciosidade que quando ela os fazia eram dias de festa.
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As minhas tradições são todas ligadas à gastronomia, sou uma toura de signo (talvez por vezes também de carácter) e a gastronomia é a minha pedra filosofal.
Eunice Esteves, Fevereiro de 2025