Trabalhos com as mãos, mestria e imaginação
Quando era pequena e começavam as férias, vinha acoplado o tormento.
Agora vai limpar o pó, embora eu não visse uma ínfima partícula. Para encurtar a tarefa detestada limpava à volta dos naperons sim, havia por todo o lado, e dos objectos. Atualmente, quando sou forçada a desempenhar essa tarefa, uso os espanadores mágicos.
Agora vai limpar a louça! Atualmente é na máquina ou deixo secar no escorredor e pronto!
Agora vai varrer o quintal. Esta já gostava mais. Hoje não tenho quintal. Que pena!
Das tarefas domésticas a minha preferida, vejam só, era ajoelhar-me numa esponja adequada e esfregar a cozinha com uma escova dura, com cerdas de piaçaba. Sou do signo Peixe e gosto de tudo o que meta água. Hoje também, especialmente do mar!
Deste modo ia com agrado para o grande tanque do quintal lavar roupa. Um dia tirei o anel de rubi (com brincos a condizer) e pu-lo numa grande pedra perto do tanque. Nunca mais me lembrei dele. Quando nos demos conta, foi o fim do mundo. A minha tia Micas, muito velhinha, deitava brasas quentes em água fria e sabia muitas rezas a São Cipriano. Depois da "consulta" ela disse que ia aparecer. E apareceu, embora eu não gostasse muito dele.
Depois surgiam outras prendas domésticas: o crochet , ponto de cruz e cheio. Fiz bolsas para guardanapos que nunca foram usadas, naperons às dúzias, e toalhas de mesa e meia dúzia de colchas para cama de casal. Tudo fundamentado em revistas com explicações e diagramas!
Eu gostava mesmo era de tricotar! Fiz inúmeras camisolas, vestidos e o ex-libris foi um casaco comprido. Quando vim para Lisboa era impossível usar agasalhos tão quentes e acabei por os dar. Tenho muita pena por não os ter guardado porque eram verdadeiras obras de arte. Ainda tricotei para os filhos. A minha sogra era especialista e ensinou-me a fazer revesilhos e acabamentos na perfeição.
Na fase seguinte enveredei por tapetes de Arraiolos mas tive de desistir porque era alérgica ao pó da lã.
Sei costurar. Até tenho uma Singer elétrica. Além de coser, prega botões, faz casas, prega zips, faz ponto de zig-zag e muitos outros. Na altura, havia uma revista que trazia moldes e ainda fiz umas coisitas simples. Mas o meu sonho era ser designer de moda.
Já estive para me matricular numa Universidade da terceira idade para aprender a pintar, mas não gostei do ambiente porque me considero da segunda.
Enfim, com tanto jeito de mãos, mestria e imaginação, nunca mais exercitei os dons de fada do lar que construí! Que desperdício!!!
A propósito ...
O Apanhador de Desperdícios
Não gosto das palavras
fatigadas de informar.
Dou mais respeito
às que vivem de barriga no chão
tipo água pedra sapo.
Entendo bem o sotaque das águas
Dou respeito às coisas desimportantes
e aos seres desimportantes.
Prezo insetos mais que aviões.
Prezo a velocidade
das tartarugas mais que a dos mísseis. (...)
Queria que a minha voz tivesse um formato
de canto.
Porque eu não sou da informática:
eu sou da invencionática.
Só uso a palavra para compor meus silêncios. (1)
Lurdes Aleixo Dias
Fonte: (1) Manoel de Barros, Poesia Completa