Tesourinhos de Lisboa
Passear no Rossio era uma coisa comum para
um lisboeta, tal como ir aos armazéns do Chiado ou do Grandela, ver as
novidades. Era uma praça movimentada mas pacata. Em criança, tenho ideia de lá dar
pão aos pombos, degustar uns gelados no Verão e umas castanhas quentes no
Inverno, e já adulto, de lá comprar cautelas ou de dar lustro aos sapatos, nos
muitos engraxadores que por lá assentavam.
Foi dali que assisti ao pavoroso incêndio da Lanalgo, numa noite quente de Agosto de 1988. A imagem das chamas, do ruído provocado pelo incêndio, dos papéis e pedacinhos de pano que voavam no ar incandescentes e do desmoronamento de partes do tecto e paredes, nunca me saiu da memória.
Hoje muitas das lojas, armazéns e cafés de outrora já não existem, outras mudaram-se para outro lado, como foi o caso da Farmácia Estácio (passou para os Restauradores) mas, há duas "instituições" que se mantiveram por lá: O Café Nicola e a Tabacaria Mónaco.
Nesta última encontrava todo o tipo de jornais e revistas que me interessavam, como o Le Monde, o Times, Melody Maker, o New Musical Express e a National Geographic que, alternativamente, só conseguiria obter no Cais do Sodré, na esquina da Ribeira das Naus com a Rua do Alecrim.
No Nicola, fitando a estátua de Bocage, sentia o respeito do espaço e, imaginava-o recitando quadras para gaudio de doutas e simples pessoas. O Nicola existe desde 1787 e foi inaugurado como um botequim pelo genovês Nicolau Breteiro, que o trespassou em 1794. A fachada principal e as alterações no interior são mais recentes mas, como "instituição", só tem paralelo no Majestic no Porto.
O café que se lá bebe, não é de cevada, e o ambiente é único.
José Dias
Lisboa, 21 de Fevereiro de 2024