Recordando uma oportuna boleia
Estávamos em 1970. Vindo de Malpartida (Guarda) onde passara alguns dias das férias de Natal em casa de um colega amigo, chegara a Santa Apolónia pelas 23h00 da noite de consoada, depois de dezasseis horas de viagem em camionetas e comboio. Vinha cansado, com vários sacos e uma grande mala (sem rodinhas), que transportei a custo até à gare.
Os passageiros que comigo viajaram desapareceram rapidamente por entre beijos e abraços, chamados daqui e dali por familiares que os tinham ido esperar, e que se moviam como formigas. Fiquei sozinho!
Àquela hora, e na noite de Natal, não havia um único táxi estacionado na praça. Arreei a carga e esperei uns minutos, mas, nada!
À época não havia telemóveis, e eu não tinha moedas para colocar na cabine, nem autocarros ou elétricos que pudesse apanhar. Queria chegar a Queluz, onde então vivia, antes da meia-noite, imaginando a angústia dos meus pais e irmãos que não tinham notícias minhas desde há dias, mas a coisa não estava fácil.
Entretanto começou a cair uma chuva miudinha que eu antecipei esmoreceria os taxistas mais afoitos a irem "pescar" para Santa Apolónia. De modo que, coloquei o saco maior a tiracolo, pequei na mala e no outro saco, e comecei a caminhar no sentido do Terreiro do Paço. Mas, naquela noite de Natal o transito era diminuto e não se viam táxis nenhuns.
Passado algum tempo, já me encontrando perto dos edifícios da Alfandega, fui abordado pela minha retaguarda por um táxi que vinha com a sinalética desactivada. O condutor abriu parcialmente a janela olhou para mim e perguntou.
- Então anda à chuva com essas malas todas? Precisa de transporte?
- Ó meu amigo, se preciso!...
- Olhe eu já acabei o turno e vou para Amadora cear com a minha irmã. Se você for para aquelas bandas, ou ficar em caminho, eu levo-o.
E foi assim que, dois minutos antes da meia-noite cheguei a casa, molhado, mas feliz!
Ainda hoje me interrogo, sobre quem terá chamado aquele táxi?
José Aleixo Dias, Lisboa, 9 de Dezembro de 2024