Quem Tramou o Gato?
Há alguns (muitos) anos apreciei, bastante, um livro de título "À Procura do Gato de Schrödinger" (título original: "In Search of Schrödinger's Cat"), publicado pela primeira vez em 1984 de autoria de John Gribbin. Este livro é uma introdução acessível e abrangente à mecânica quântica, destinada ao público em geral.
John Gribbin oferece uma visão clara e envolvente das ideias e dos desafios da mecânica quântica, tornando conceitos complexos acessíveis ao leitor leigo. O livro "À Procura do Gato de Schrödinger" é uma leitura recomendada para quem deseja entender os mistérios e as maravilhas da física quântica, bem como as suas implicações para a nossa visão do universo.
O Gato de Schrödinger é uma experiência mental famosa proposta pelo físico austríaco Erwin Schrödinger em 1935. Esta experiência foi concebida para ilustrar as peculiaridades e as aparentes contradições da mecânica quântica, em particular a interpretação de Copenhaga da superposição quântica.
Descrição da Experiência Mental de Schrödinger
Imagine um gato colocado dentro de uma caixa fechada juntamente com um dispositivo diabólico que contém os seguintes elementos:
Uma fonte radioactiva: Com uma meia-vida tal que, numa hora, há uma probabilidade de 50% de um átomo se desintegrar.
Um contador Geiger: Que pode detectar a radiação emitida pela desintegração do átomo.
Um frasco de veneno: Ligado ao contador Geiger de tal forma que, se o contador detectar radiação (ou seja, se um átomo se desintegrar), o frasco de veneno é quebrado e o veneno é libertado, matando o gato.
Superposição Quântica
De acordo com a mecânica quântica, até que o sistema seja observado, o átomo radioactivo está numa superposição de estados: tanto desintegrado como não desintegrado. Consequentemente, o gato, que depende do estado do átomo, também está numa superposição de estados: tanto vivo como morto.
Interpretação de Copenhaga
A interpretação de Copenhaga sugere que o sistema quântico permanece numa superposição de estados até que uma observação ou medição seja feita. Assim, antes de abrir a caixa, o gato é simultaneamente vivo e morto. Apenas ao abrir a caixa (ou seja, ao fazer uma observação), a superposição colapsa para um dos estados possíveis: o gato está vivo ou o gato está morto.
Implicações e Debate
Esta experiência mental destaca algumas das estranhezas da mecânica quântica, como a noção de que partículas podem existir em múltiplos estados ao mesmo tempo até serem observadas. O Gato de Schrödinger é muitas vezes discutido em contextos filosóficos e científicos para debater a natureza da realidade, a interpretação da função de onda e a medição quântica.
Schrödinger era crítico da interpretação de Copenhaga, que sugere que um sistema quântico existe numa superposição de estados até ser observado. Ele usou a metáfora do gato para destacar as implicações absurdas desta interpretação quando aplicada ao mundo macroscópico. A ideia de um gato estar simultaneamente vivo e morto parecia absurda, e Schrödinger queria sublinhar essa estranheza.
Albert Einstein, tinha profundas reservas sobre a interpretação de Copenhaga. As suas principais objecções eram as seguintes:
Determinismo: Einstein entendia que a física deveria ser determinística. Não aceitava que a mecânica quântica fosse intrinsecamente probabilística e estava convencido de que deveria haver uma descrição subjacente mais completa (variáveis ocultas) que restaurasse o determinismo.
Realismo: Para Einstein, as propriedades de um sistema físico deveriam ter realidade independente da observação. Ele recusava a ideia de que a realidade física dependesse do acto de observação.
"Deus não joga aos dados": Esta
famosa frase de Einstein expressa a sua rejeição ao
indeterminismo da mecânica quântica.
Os desenvolvimentos na compreensão da mecânica quântica e das suas interpretações podem ser vistos como "salvando" o gato de Schrödinger:
Interpretação de Muitos Mundos
A interpretação de muitos mundos, proposta por Hugh Everett em 1957, sugere que todos os possíveis resultados de um evento quântico realmente ocorrem, mas em universos paralelos separados. Segundo esta interpretação, quando se abre a caixa, o universo se divide em dois:
Num universo, o gato está vivo.
Noutro, o gato está morto.
Portanto, o gato está "salvo" no sentido de que ele está vivo em pelo menos um desses universos.
Decoerência Quântica
A teoria da decoerência quântica explica como a superposição de estados quânticos colapsa para um estado particular devido à interacção com o ambiente. Em termos do gato de Schrödinger:
Quando a caixa é aberta, a interacção com o ambiente (e com o observador) causa a decoerência, resultando num estado clássico definido (gato vivo ou gato morto).
A decoerência não salva o gato no sentido literal, mas oferece uma explicação de como e porque a superposição se resolve sem necessitar de uma observação consciente para colapsar a função de onda.
Interpretação da História Consistente
A interpretação da história consistente ou da história quântica, desenvolvida por Robert B. Griffiths, Roland Omnès, Murray Gell-Mann e James Hartle, propõe que as diferentes histórias possíveis de um sistema quântico são consistentes e podem ser descritas sem a necessidade de um observador para colapsar a função de onda.
Segundo esta interpretação, o gato de Schrödinger tem uma história consistente onde ele está ou vivo ou morto, mas não ambos simultaneamente. As probabilidades de diferentes histórias podem ser calculadas sem a necessidade de colapso devido a observação.
Interpretação Bohmiana (Teoria da Onda Piloto)
Na interpretação Bohmiana, desenvolvida por David Bohm, as partículas têm posições definidas e são guiadas por uma "onda piloto". Nesta interpretação, não há superposição de estados no sentido convencional:
O gato estaria sempre vivo ou morto, independentemente de ser observado.
Esta interpretação salva o gato da ambiguidade da superposição, atribuindo um estado definido ao sistema quântico em todos os momentos.
Experimentação com Tecnologias Modernas
Embora ainda seja um debate filosófico e teórico, avanços experimentais em tecnologias quânticas, como a criação e manipulação de qubits[1] em estados de superposição, ajudam a testar e refinar as diferentes interpretações da mecânica quântica. Esses avanços permitem uma compreensão mais profunda de como a superposição e o colapso da função de onda ocorrem na prática, ajudando a "resolver" o paradoxo de Schrödinger de maneira mais concreta.
Embora não se trate de
"salvar" o gato de Schrödinger no sentido literal, várias
interpretações e desenvolvimentos teóricos e experimentais na mecânica quântica
fornecem maneiras de compreender e explicar a superposição e o colapso de
estados
[1]Um bit quântico, ou qubit (às vezes qbit) é uma unidade de informação quântica. Esta informação é descrita por um vector de estado em um sistema de mecânica quântica de dois níveis o qual é normalmente equivalente a um vector de espaço bidimensional sobre números complexos.
quânticos, oferecendo respostas às questões levantadas pela famosa experiência mental de Schrödinger.
Em suma, o Gato de Schrödinger serve como um poderoso exemplo para discutir os conceitos de superposição e colapso da função de onda na mecânica quântica, ilustrando as complexidades e as aparentes contradições do mundo quântico.
Cascais, 17 de Julho de 2024
João de Jesus Ferreira