QI & QE & QA
Na semana passada li no Expresso uma crónica do Cardeal Tolentino de Mendonça sobre um livro de Jean Cocteau (1889-1963).
Apesar de Cocteau ter sido um aluno medíocre e de não ter terminado o liceu, teve uma produção literária valiosa e diversificada. A sua obra A Dificuldade de Ser foi agora publicada com tradução de Aníbal Fernandes, Sistema Solar.
O Cardeal explica sintética e claramente o âmago a interiorizar. A escolaridade foca-se essencialmente nas aprendizagens da inteligência lógica, matemática, memorização, fórmulas, geometria, tecnologias. Tudo incide em obsessivos detalhes do mundo externo levados pela razão.
Alerta para as lacunas na aprendizagem dos sentimentos. "Faltam-nos recursos para cartografar a nossa paisagem interior. Somos analfabetos da nossa própria alma."
E continua esclarecendo que há três linhas importantes: 1. linha da inteligência e formação da personalidade; 2. linha das emoções; 3. linha da resiliência para superar dificuldades; adaptabilidade.
A leitura deste documento acordou em mim a experiência profissional, em que constatei a verdade atrás exposta. Tive muitos alunos extraordinariamente inteligentes em que a primeira premissa era totalmente enfraquecida e por vezes destruída por lacunas graves na gestão das emoções e na falta de vontade e desistência perante dificuldades.
Tudo isto levou-me a aprofundar a diferença entre QI e QE e QA.
QI (Quociente de Inteligência) é uma medida, um número que expressa a capacidade intelectual de um indivíduo com base em critérios de referência e comparações, estabelecendo uma relação entre sua idade mental e cronológica.
É importante ressaltar que não existe uma inteligência única e universal. O que o QI demonstra é um conjunto de habilidades mentais, verbais e lógico-matemáticas que são relevantes para o contexto das sociedades globalizadas e urbanas. Aliás, este é outro fator que deve ser considerado num teste de Quociente de Inteligência: a cultura.
QE e QA (Quociente Emocional e Quociente de Adaptabilidade)
A inteligência emocional é o uso consciente das múltiplas inteligências ao serviço da afetividade, considerando especialmente: amor, gratidão, compaixão, ternura, bondade, generosidade, empatia e altruísmo.
Ao estabelecer o comando central do Eu, geram-se forças ou energias que melhor irão interagir com as demais inteligências ao serviço do bem, do belo e do bom, passa-se a usar a inteligência afetiva, em busca de uma maior lucidez, de maior maturidade no viver, em busca da humanização das relações.
No meio empresarial, tanto o QI quanto o QE são considerados importantes para o sucesso na carreira. Hoje, porém, à medida que a tecnologia redefine como trabalhamos, as habilidades necessárias para prosperar no mercado de trabalho também estão mudando. Entra em cena então um novo quociente, o de adaptabilidade (QA), que considera a capacidade de se posicionar e prosperar num ambiente de mudanças rápidas e frequentes. "O QI é o mínimo que você precisa para conseguir um emprego, mas a QA é indicador de sucesso a longo prazo".
O QA não é apenas a capacidade de absorver novas informações, mas de descobrir o que é relevante, deixar para trás noções obsoletas, superar desafios e fazer um esforço consciente para mudar. Esse quociente envolve também características como flexibilidade, curiosidade, coragem e resiliência.
"Aprender a aprender é uma missão crítica. A capacidade de aprender, mudar, crescer, experimentar tornar-se-á muito mais importante do que o domínio de um assunto."
Jorge de Sena escreve uma carta aos seus filhos desejando-lhes harmonia e equilíbrio.
Não sei, meus filhos, que mundo será o vosso.
É possível, porque tudo é possível, que ele seja
aquele que eu desejo para vós. Um simples mundo,
onde tudo tenha apenas a dificuldade que advém
de nada haver que não seja simples e natural.
Um mundo em que tudo seja permitido,
conforme o vosso gosto, o vosso anseio, o vosso prazer,
o vosso respeito pelos outros, o respeito dos outros por vós.
E é possível que não seja isto, nem seja sequer isto
o que vos interesse para viver. Tudo é possível,
ainda quando lutemos, como devemos lutar,
por quanto nos pareça a liberdade e a justiça,
ou mais que qualquer delas uma fiel
dedicação à honra de estar vivo.
(...)
Nenhum Juízo Final, meus filhos, pode dar-lhes
aquele instante que não viveram, aquele objecto
que não fruíram, aquele gesto
de amor, que fariam «amanhã».
E. por isso, o mesmo mundo que criemos
nos cumpre tê-lo com cuidado, como coisa
que não é nossa, que nos é cedida
para a guardarmos respeitosamente
em memória do sangue que nos corre nas veias,
da nossa carne que foi outra, do amor que
outros não amaram porque lho roubaram.
Lurdes Aleixo
1.https://mundoeducacao.uol.com.br/psicologia/qi.htm;https://redined.educacion.gob.es/xmlui/handle/11162/126021;https://www.elpais.com.co/cali/conozca-los-siete-principios-que-rigen-la-inteligencia-afectiva.html
2.https://www.uol.com.br/tilt/noticias/bbc/2019/11/30/o-que-e-o-qa-e-por-que-ele-pode-ser-mais-importante-que-o-qi-no-mercado-de-trabalho.htm?cmpid=copiaecola
3. Poema de Jorge de Sena CARTA A MEUS FILHOS Os Fuzilamentos de Goya (in "Metamorfoses", Lisboa: Livraria Morais Editora, 1963; "Poesia II", org. Mécia de Sena, col. Obras de Jorge de Sena, Lisboa: Moraes Editores, 1978; 2.ª edição, Lisboa: Edições 70, 1988 - p. 121, 123-124; "Antologia Poética", Porto: Edições Asa, 1999 - p. 108-111) Recitado por Mário Viegas*
Fotografia de Jorge Gonçalves Silva