Poesia # 32 - Ode a um ser infernal
Contrariado, mas vencido, arrasto-me durante dias, no receio de uma vez mais ter de estar, a sós, contigo.
Tudo faço para adiar, deixar para depois, afastar o inevitável.
Encontro-te fria, cálida, muda, a mesma de sempre.
Desta feita, jurei que não me vencias.
Dispo-me; deito-me.
Uma vez mais, és a minha cama e o meu lençol;
envolves-me com o teu usual abraço gélido.
Mordes-me o braço; sinto o teu veneno percorrer-me o corpo;
o conhecido formigueiro invade-me todas as extremidades.
Puxas-me para ti, sugas-me, prendes-me.
E então começa a rave; ligas a música electrónica, psicadélica, minimal, repetitiva, concreta, no máximo.
Sons de fábricas laborando em uníssono, enfernizando-me os cornos, testando os meus limites; sons graves e agudos, batuques e apitos, numa busca doentia do meu desatino.
Concentro-me, foco os sentidos em outras cenas, coloco a alma fora de ti. Repito incessantemente: desta não me vences.
Fecho os olhos; ignoro-te; sou banhado por uma suave onda.
Continuo a sentir-te, mas o coração não acelera.
Por instantes, estás e não estás.
Ficas em silêncio, quieta. Desafias-me; inquietas-me.
Oiço o som do mar, aquele que escutava dentro das conchas que havia na casa da minha avó.
São curtas as tréguas.
Regressas; reentramos na rave.
Sinto o teu bafo frio a cada ciclo, a cada longo minuto, a cada ronco. Mantenho-me estranhamente calmo.
Estranho-me. Sinto-te diferente.
Num repente anuncias que terminou; regurgitas-me.
Sinto que te magoei, que estás sentida.
Saio, flutuando, na vã esperança de jamais te encontrar, sabendo que passei a odiar-te um pouco menos.