O século da solidão
Recomendo vivamente que estudem e leiam este magnífico livro da professora, investigadora e socióloga inglesa Noreena Hertz, publicado no ano da pandemia 2020.
Norrena afirma que a solidão global é a outra pandemia que enfrentamos neste século e que ataca a saúde, a riqueza e o estado da nossa democracia. Esta solidão não começou com o COVID e o confinamento, muitos de nós já nos sentimos sós, isolados e atomizados há muito tempo.
O tema é por nós interiormente bem conhecido - a solidão - que nos habita a todos, nem que seja apenas alguns períodos da vida como o recente confinamento que vivemos globalmente. Mesmo que o escondemos ou neguemos. Não se trata só de falta de amor, é também sentirmo-nos desligados dos próximos, de nós mesmos, família, amigos, concidadãos, políticos e colegas de trabalho.
Talvez depois de ler este livro o deixemos de fazer, deixemos de sentir o estigma de o admitir e fiquemos mais determinados a fazer algo por esta chaga que nos adoece a todos individual e coletivamente.
Não vos vão cansar as 307 páginas de texto nem mesmo as preciosas 120 páginas de referências bibliográficas e notas explicativas, porque o texto é corrido cheio de exemplos concretos, informação útil e surpreendente, com que ela ilustra a investigação extensiva e intensiva sobre o tema, tanto sua como de muitos estudos científicos, estatísticas e entrevistas.
Redefinir o conceito de solidão de uma forma abrangente
Noreena define solidão de uma forma abrangente como um "estado interior existencial- pessoal, social, económico e político". Não é apenas um fenómeno de saúde mental, individual, emocional, mas também físico, e de causas e consequências económicas e políticas; não ataca apenas os mais idosos mas todas as idades e especialmente os mais novos.
Por isso, distingue solidão de estar sozinho, e estende a definição de solidão para além da óbvia carência de família e amigos, colegas de trabalho e vizinhos, às relações com a entidade patronal e com os governos e governantes. E avisa que nos devemos preocupar porque a escala do fenómeno da solidão é agora avassaladora, global e afeta todas as gerações. A solidão mata.
O livro refere histórias e casos que nos tocam, surpreendem e nos quais nos revemos, numa linguagem simples e corrida. Surpreende-nos por exemplo a informação de que no Japão há muito que os idosos compram robots, não só para "tomarem conta", mas sobretudo para lhes fazer companhia e mitigar a solidão, ao ponto de tricotarem peças para os vestir. Certamente já ouvimos falar da Alexa (assistente virtual da Amazon) da Elektro, o homem eletrónico. Eu confesso que apelidei de "Jorgito'' ao meu robot autónomo de limpeza. E falo com ele como se fosse o gato. Lemos que as idosas japonesas cometem pequenos crimes para irem parar à prisão onde encontram o sentido de comunidade e pertença que lhe mitiga a solidão. Que jovens de 20 e 30 anos se sentem tão solitários que adquirem serviços pagos de companhia a um preço exorbitante porque não conseguem, no mundo do trabalho dominado por horas excessivas, estabelecer relações que os nutram. Surpreende-nos saber que estudos científicos determinam que não são apenas os idosos que sofrem de solidão, mas também e sobretudo os nossos jovens e de uma forma potencial pelo uso das redes sociais que escapa aos pais e docentes que os acompanham.
Como chegámos aqui?
Noreena aponta várias causas para este escalar da solidão:
Os smartphones e as redes sociais afastam-nos de quem está perto e chamam o pior em nós. Citando Leandro Karnal: "O celular é a grande muleta da solidão".
A discriminação estrutural e institucional rácica, étnica ou xenófoba aumenta a solidão.
O modo de vida contactless; a crise de 2008 e o COVID apenas vieram acelerar esta tendência.
O progressivo desaparecimento de infraestruturas comunitárias onde possamos intervir e conviver.
O Liberalismo dominante desde os anos 80, levando a maior desigualdade económica e ao poder das grandes corporações e da alta finança. Cita Tatcher quando afirmava: "A economia é o método, o objetivo é mudar a alma e o coração!" E numa nota surpreendente, refere um estudo feito à lírica das canções que exibe esta mudança do NÓS para o EU dos anos 70 aos anos 80.
Como resolver e combater a solidão: o manifesto de humanidade de Noreena
No capítulo final, Noreena deixa-nos com um manifesto pleno de humanidade com o título: "Como nos podemos unir num mundo a desmembrar-se" e lembra que todos somos responsáveis por fazer algo desde os governos, às empresas e aos indivíduos.
A verdade, diz, é que para não nos sentirmos sós, precisamos de dar e receber, cuidar e ser cuidado, ser amável e tratar com respeito todos os que nos rodeiam, e, também, sermos assim tratados.
Há um papel importante que cabe aos governos desde logo a investir e facilitar as infraestruturas comunitárias. Bibliotecas, centros comunitários, lares.
Nas empresas propõe encorajar e ajudar o pessoal a comer juntos, pausa conjunta para café, estar no mesmo dia no escritório, promover solidariedade, amabilidade e ainda
apoiar locais como cafés e mercearias.
Aos indivíduos começa por recomendar que nos esforcemos por usar menos o telemóvel, quando estamos em família ou com amigos sobretudo.
Se ainda assim não vos convenci a ler o livro, então - sinal dos tempos - não deixem de ver e ouvir no YOUTUBE a sua entrevista o ano passado aquando do lançamento do livro. Vale a pena porque, num inglês fácil de seguir e num discurso claríssimo, ela explica-nos onde estamos e para onde afinal podemos ir.
E eis a minha motivação final para vos escrever esta recomendação de leitura: a criação de uma comunidade de partilha como a "Transições" é também uma forma de combatermos a solidão deste século.
E como "uma comunidade não se compra é preciso exercitá-la", deixo aqui o meu contributo e reconhecimento a todos nós que fazemos esta comunidade; sem esquecer o agradecimento às fundadoras da Transições que pensaram e criaram este espaço de comunidade e partilha, que nos afastam do espetro da solidão, e que definiram a imprescindibilidade de todos contribuirmos e de criarmos um misto de atividades presenciais e remotas neste tempo de pandemia.
Bem hajam!
Abraço para todos.
Isabelina Jorge