O Martírio das Lagostas
Quando se vêm lagostas em aquários de restaurantes, normalmente têm as pinças presas com elásticos e juntam-se em grupo num dos cantos do aquário.
A razão para estarem juntas é que no seu habitat natural não têm muita luz devido à profundidade e, como tal, tentam proteger-se dessa forma.
Elas, porém, não gostam de estar juntas e se as forçam a isso, atacam-se mutuamente. Então colocam-lhes uns elásticos nas pinças, supostamente para lhes reduzir o stress.
Imagine-se preso numa cela, com um foco de luz intensa que o encandeia e de braços atados. Qual seria o seu nível de stress? Elevado presumo!... Ainda por cima com oxigenação forçada pela bomba de bolinhas borbulhantes, devem estar com um speed maior do que o do Armstrong.
Sento-me num restaurante que reabriu há pouco e que tem como pano de fundo um aquário deste tipo. Olho para estes e outros crustáceos que ali encontraram um alojamento de ocasião.
Bendigo o facto de já não precisar de usar transportes públicos para ir trabalhar, de não ter de ficar fechado num cubículo o dia inteiro, de não ter reuniões forçadas com um elevado nível de stress (em que os meus braços por não terem elásticos, se dobravam de todas as formas possíveis e imaginárias) e de poder agora respirar o ar que quero.
Pois, nessa altura, não recebia bolinhas de oxigénio, mas, estava exposto a um ar condicionado que me provocava tosse, me secava as membranas nasais e me causava prurido intenso na pele ... logo a mim, que até tenho pele de lagosta!...
Lisboa, 26 de Abril de 2021
José Aleixo Dias [1]
[1] O autor escreve segundo o antigo Acordo Ortográfico