O filho que um dia resolveu percorrer a pé o Mundo que conseguisse alcançar

25-09-2022

Baseado em factos reais

Há três anos o filho saiu de casa dos Pais com uma mochila às costas, onde levava o equipamento que considerou necessário para uma aventura percorrida a pé, e suficientemente leve para o poder carregar.

Ao longo de alguns meses foi dando notícias, e um dia, um telefonema para casa dos Tios, dava conta de uma queda duma ribanceira, que o levou ao hospital. Algumas mazelas no corpo, algumas mazelas na boca, mas recuperou e voltou para casa dos Pais, onde, como todos sabem, no final do dia é a sopa da casa que cura os doentes.

Ainda veio para casa dos Tios onde passou algum tempo, mas o bichinho continuava lá, e por isso mesmo, resolve partir na segunda parte da aventura, com a promessa de ir dando notícias, e sobretudo muita atenção às ribanceiras.

E assim foi acontecendo, com regularidade chegavam notícias de onde estava e para onde ia. Trabalhava um pouco aqui e ali, comia aqui e ali, resultado ou não do trabalho feito ou de quem simplesmente o acolhia.

Numa das suas últimas comunicações com a família, dava conta do mísero estado em que se encontravam as botas de caminhada. O sentido de humor nunca o abandonou, e mesmo quando partilhou a foto que acompanha esta narrativa, juntou o link da música que as mesmas lhe inspiravam.

Nancy Sinatra - These Boots Are Made For Walkin' (1966 Original)

https://youtu.be/m2fPkzJsMU8


A sua última notícia - Julho de 2021- dava conta do lugar onde se encontrava - Sul da Europa - e do que tencionava fazer nos dias seguintes. Contudo, e após esta informação, as comunicações terminaram, e instalou-se na família um vazio e um desespero, que alguém definiu como "destrutivo em profundidade "

É nestes momentos que todos os sentimentos de uma família são postos à prova, e o sentido da vida questionado ao limite.

Tudo o que era possível fazer para o tentar encontrar foi feito: cartas a várias entidades, divulgação da notícia do desaparecimento em vários órgãos de comunicação social nacional e internacional, contacto com embaixadas, até que os Pais decidiram voar até ao país de onde receberam a última notícia dele, para tentar localmente ter notícias. Em vão!

Mas havia um sentimento comum que em toda a família persistiu: o filho estava vivo!

E estava!

Um ano depois, apresentou-se na embaixada local e pediu ajuda para voltar para casa dos Pais.

Até que aterrasse no aeroporto de destino, o ano de silêncio que impactou na alma de cada um, em muito mais do que 365 dias, parecia afinal ter passado rápido, e ele lá chegou com saúde e um ar feliz.

As emoções extravasaram o coração, e o espírito de todos finalmente sossegou. O irmão mais velho deste filho, aproveitando uma ocasião de festa em que estavam reunidos família e amigos, procurou saber junto dele o motivo da falta de notícias, que na realidade até hoje permanece por explicar. E nada soube, porque o filho não se explicou, e continua a não se sentir preparado para o fazer, a ninguém. Os sentimentos do irmão mais velho ficaram conturbados!

Este episódio fez-me lembrar a parábola do filho pródigo. E numa tentativa de apaziguar o despeito sentido pelo irmão mais velho, resolvi contar-lha.

Também aquele pai, no regresso do filho viajante, veste-o com a melhor roupa, organiza uma festa com música e mata um novilho cevado. O filho mais velho insurge-se contra tamanha manifestação de alegria pois, para ele, que sempre serviu o Pai sem transgredir uma ordem, nunca lhe foi dado um cabrito para ele se regozijar com os amigos.

Enfim, o ditado diz que tudo está bem quando acaba bem, e Pais são Pais.

Tal como o Pai do filho pródigo, e porque a história se repete, também estes Pais sentem que "este teu irmão estava morto e reviveu, estava perdido e se achou".

Todos o sentimos sempre vivo e estamos felizes por tê-lo de volta, não matámos nenhum novilho, mas também lhe demos a melhor roupa e a comida de que tinha saudades, e acreditamos que tudo o resto chegará a seu tempo.

Felizes seriam todas aquelas famílias que pudessem terminar o sofrimento por desaparecimento de um qualquer familiar da mesma forma, mesmo sem novilho.

Ana Paula Calvinho