Não esquecer a nossa cara metade no processo de transição
Há coisas que sabemos, intuímos, achamos lógicas, mas não interiorizamos, no fundo, acabamos por não ter em consideração. Falamos muito do processo, e da importância da preparação da transição para a reforma, para cada um de nós, individualmente, como se estivéssemos no percurso sozinhos, mas a nossa "cara-metade", quer queira quer não, também entra na equação da transição.
A mudança provocada pela reforma tem, naturalmente, um grande impacto no seu parceiro, cara-metade, cônjuge, ou seja, com quem partilhamos a vida no nosso dia a dia. E não poderia ser de outra maneira tendo em conta que um casal "é um conjunto de duas pessoas que têm uma relação" e como tal é impossível que as ações, comportamentos, sentimentos de um não afetem o outro.
Temos de fazer ajustes à nossa vida, mas temos de pensar nestes ajustes "juntos". É importante estabelecer algumas regras, de forma que façamos a transição para a reforma em conjunto.
Aqui vão algumas dicas e comecemos pela conversa. Falem muito, de tudo e também sobre a transição. Antes e durante o processo é importante perceber se ambas as partes estão a partilhar o que sentem durante o novo caminho. Oiça, oiça, muito mais do que fazia antigamente e tenha o cuidado de se assegurar que o que ouviu é realmente a mensagem que o outro lhe quer transmitir. Hoje em dia é muito importante deixar de lado o telemóvel, o ipad ou qualquer outro dispositivo, e dar tempo a si, ao outro, aos dois.
É muito preocupante ver casais, de qualquer idade, a passear, no restaurante, etc., cada um, para seu lado, de cabeça baixa, a olhar para o telemóvel, fixamente, ou teclando afincadamente, como se houvesse uma urgência indefinida. É um novo problema, pois se desde muito novos os casais se habituam a estar juntos, estando cada um apenas consigo mesmo, perde-se o hábito, o prazer da conversa. Experimente deixar o telemóvel, olhar nos olhos e conversar. Quem sabe uma oportunidade para voltar "a ver", a pessoa com quem vive, todos os dias, e que há muitos anos olha mas não vê.
O seu tempo versus o vosso tempo é igualmente um tema importante. Agora que, pelo menos um de vós, não sai diariamente para ir trabalhar, isso não implica que tenham de estar sempre juntos. É importante definir o tempo em conjunto mas deixar espaço para cada um manter os seus interesses individuais. Há que identificar as coisas que representam a paixão de cada um, e assegurarmo-nos que mantemos, ou desenvolvemos, atividades que são importantes para cada um, individualmente ou como casal.
Estabelecer fronteiras é fundamental para cada um e mais uma vez para ambos. Recordo uma amiga que quando se reformou, esteve um período longo sem conseguir sair sozinha. O marido, que se tinha reformado primeiro, e não tinha criado os seus próprios interesses, aguardava ansiosamente a reforma da mulher. E o que se passou foi que, desde o primeiro dia, tudo tinha de ser feito em conjunto, ou deixar de ser feito. Ou seja, ou a sua mulher deixava de ter os almoços mensais com as amigas, ou ele ia também.
Como nunca tinham abordado o tema, e muito menos estabelecido a fronteira entre "o meu espaço" e o "espaço comum", a situação tornou-se insuportável. A minha amiga não queria magoar o marido, não queria "deixá-lo sozinho", mas não aguentava estar acompanhada 24 h sobre 24h. Felizmente tudo se resolveu. No início não da melhor forma, pois o nível de irritabilidade começou a ser tal, que foi no dia da discussão mais insignificante que o copo transbordou como se tivesse havido um verdadeiro tremor de terra. Mas resultou. Falaram, entenderam-se, o próprio começou a cultivar também uma saída com os amigos, e eu voltei a almoçar com a minha amiga, falando de tudo e de nada, dando gargalhadas sem sempre saber porquê, ganhando desta forma uma energia acrescida. A minha amiga reganhou o prazer de voltar para casa e dizia "voltei a sentir o prazer da companhia do meu marido".
E por último, mas não menos importante, saia à noite, ou ao final do dia, com a sua "cara-metade". Pelo menos uma vez por semana! No início vão ter mesmo de colocar na vossa agenda. Foram hábitos que se perderam, ao final do dia já não apetece sair, é como se estar em casa tivesse um íman que nos agarra ao sofá. Tem mesmo de ser, será um esforço nos primeiros tempos, mas rapidamente concluirá que cada vez que "fez o esforço" valeu a pena. Chegam a casa, de regresso do programa, mais próximos, mais tranquilos, mais focados nos aspetos positivos da vida. Depois, como tudo, torna-se um hábito, e o difícil vai ser deixar de sair.
Haverá seguramente muito mais coisas que devem fazer parte da preparação da transição para a reforma, a dois. Sobretudo não esqueça que o tempo, as horas, que passa em comum com a sua cara-metade aumentou significativamente. Portanto o melhor é passá-lo bem, saudável física e emocionalmente.
Teresa Marques
Inspirado no livro "Keys to a Successful Retirement" - Fritz Gilbert, 2020