Comparar
A comparação é um ato de violência contra nós mesmos.- Iyanla Vanzant
Li recentemente um artigo do Lourenço Azevedo, da Regenerar, sobre o ato de comparar.
Dizia ele:
"Em conversa com alguém que tinha estudado num colégio interno, manifestei-lhe o que eu achava ser uma vantagem nestes colégios: O facto de existirem fardas não causava comparação entre a indumentária dos alunos. Ao que essa pessoa me explicou que estava enganado, que os alunos não comparavam a roupa, mas a comparação passava a ser na qualidade do material escolar que levavam para as aulas." .
Fico a pensar que, se calhar, comparar faz mesmo parte da natureza humana.
Mas se faz parte da natureza humana e, como diz Iyanla Vanzant, é um ato de violência contra nós mesmos, como evitar fazê-lo?
Quando me retirei da vida empresarial, alguém que me é próximo, avisou-me em tom de arauto da desgraça "vais ver que te vai fazer falta o cartão de visita". Na altura questionei a afirmação, não me parecia de todo provável que uma vida que eu quis deliberadamente abandonar me fosse fazer falta.
Certo é que, tempos mais tarde, tive o que se pode chamar um "reality check", um confronto com a realidade.
Estava numa reunião de direção de uma organização de voluntariado com a qual já colaborava há uns anos e era suposto fazermos as nossas apresentações, já que alguns elementos da nova equipa não se conheciam.
Dei comigo a pensar "E agora o que vou dizer de mim? "
Tinha saído da IBM há uns 6 meses e tido tempo suficiente para provar a mim própria que estava bem e que essa tinha sido uma decisão acertada. Mas como explicar isso num parágrafo? O que as pessoas estavam à espera era de um título não era de uma história. Dizer que tinha sido diretora da IBM durante mais de 20 anos não faria qualquer sentido, isso já era passado, o futuro, como dizia a minha mãe, "a Deus pertence" e o presente era um projeto em construção com tantas frentes em aberto que nem eu as saberia definir. Senti que me faltava o tal cartão de visita.
No mesmo grupo estava alguém que tinha tido uma carreira profissional invejável mas estava já reformada há uns anos. Apesar disso sentiu a necessidade de dizer que "apesar de reformada ainda fazia muitas coisas". Como se precisássemos de provar a alguém que ainda somos úteis, como se precisássemos de provar, a quem quer que seja, o que quer que seja.
No dia em que li o texto do Lourenço foi esta história que veio imediatamente à minha memória. Fiquei a pensar que o cartão de visita é como a bata da escola. É um símbolo por detrás do qual pensamos poder esconder as nossas vulnerabilidades ou inseguranças. Mas, na verdade, tal como a bata da escola, é apenas uma ilusão. Entendi o quanto a comparação nos mata. Nessa reunião eu não senti falta da minha vida passada, o que eu senti mesmo falta foi de um "cartão de visita".
Os processos de Transição trazem consigo incertezas e as incertezas levam a comparações.
Comparamo-nos com os outros. Comparamos o nosso potencial e limitações com o potencial e limitações dos nossos amigos e conhecidos. E comparamo-nos também connosco próprios. Comparamos a nossa situação presente com o nosso percurso pessoal passado.
Antes ganhava mais ou tinha mais regalias que agora
Antes tinha menos tempo para mim
Antes era mais reconhecido
Afinal os meus amigos eram amigos do "meu cartão de visita"
Não estou a ser tão estimulado intelectualmente como antes
Agora é que estou a explorar todo o meu potencial
Já senti que esta tinha sido uma boa decisão mas agora tenho dúvidas
Há quem esteja a fazer a Transição melhor que eu
e por aí vai...
Ao comparar, não vou transportar para o momento presente todos os meus recursos e toda a minha energia porque estou algures no passado ou no futuro.
Foque-se no hoje, ou como dizem os "reikianos" no "só por hoje".
Experimente "Ser" mais do que "Parecer".
Ouça a sua voz interior em vez de procurar a validação externa, em vez de comparar, de se comparar.
Experimente coisas novas e permita-se errar. Experimente outra vez e outra e outra até sentir que o que escolheu tem a ver consigo.
E aceite o seu percurso.
Afinal o caminho faz-se caminhando!
Hélia Jorge
02 de Setembro de 2022