Colecionar sim, acumular não!

09-05-2024

Como é que eu, que ando há anos na senda do destralhanço, vou agora falar de colecionismo? Porque colecionar e acumular são duas coisas bem diferentes.

Colecionar implica organizar, classificar, partilhar. Colecionar pode ser em exercício solitário, mas muitas vezes é uma forma de interação social. Colecionar é também um exercício de atenção plena. Acumular é simplesmente não conseguir deitar fora ou desapegar.

Quando era miúda colecionei muita coisa. Nunca o fiz de uma forma "profissional" ou rigorosa, mas sempre de uma forma prazerosa.

Colecionei muitas vezes conjuntamente com outros. Com o meu irmão tínhamos os cromos dos jogadores de futebol. Embora eu nunca tenha ligado ao futebol era uma forma de brincarmos juntos, usávamos os cromos para jogar ao "Bafo" que consistia em virar o cromo com a palma da mão, um jogo típico da minha infância.

Colecionei os bonecos que vinham nos gelados da Olá. Os meus preferidos eram a Branca de Neve, o Piu-piu, o Buggs Bunny e o Asterix. Com a minha prima Lídia brincávamos com eles e recriávamos histórias, desconstruindo a sua história inicial. Casávamos a Branca de Neve com o Astérix, o Piu-piu era o filho, … a imaginação das crianças é incrivelmente fértil.

Colecionei cartas de jogar miniatura que vinham nas camisas de homem que o meu pai vendia na loja e eu e a minha prima roubávamos à socapa. Quase fizemos um baralho não fosse o meu pai ter descoberto a marosca, o que nos valeu um valente sermão.

O gosto pelas coleções de postais ilustrados veio com o meu tio Clemente que era embarcado e enviava sempre a todos os seus sobrinhos postais das suas paragens. Recebi postais mesmo antes de saber ler. Cheguei a ter uma coleção de postais de cidades de todo o mundo, de trajes típicos e de bonecas. Havia uma cadeia de mini-colecionadores que consistia em enviar um postal ilustrado a 10 pessoas e pedir que cada uma delas enviasse 10 postais a mais 10 etc, etc. Aproveitávamos para nos apresentar e dar a conhecer. Já não me lembro bem como funcionava, mas era suposto ao fim de pouco tempo passarmos a receber postais de pessoas que nem conhecíamos algumas até estrangeiras o que naquela altura era um feito. Também não me lembro como arranjava dinheiro porque foi coisa que na minha infância não abundava.

Colecionei selos de flores ou animais, mas apenas os que vinham das cartas que recebia.

Também colecionei caixas de fósforos temáticas, lembro-me de ter a coleção completa dos trajes típicos de Portugal, a das profissões e também de ilustrações de bonecas. Cheguei a arranjar umas pastas com micas próprias para os postais e para as caixas de fósforos. Foi com grande emoção que reconheci algumas destas coleções muitos anos mais tarde numa visita ao Museu dos fósforos em Tomar.

Depois vim para Lisboa estudar para a universidade e deixei de colecionar. Os meus interesse e prioridade passaram a ser outros. Ainda ajudei a minha irmã a fazer a sua coleção de bonecas do mundo trazendo lhe sempre uma bonecas das minhas viagens e enquanto mãe revivi esse espírito de colecionador com os meus filhos. Mas fiquei-me por aí.

Colecionar pode ser um vício e tornar-se mesmo uma obsessão, mas pode também ser muito gratificante, desenvolver um conjunto de capacidades em nós e ser uma fonte de prazer. Para mim é algo de que guardo boas memórias.

Hélia Jorge, Abril de 2024