Brincar e Trabalhar

02-04-2022

Eu tive a sorte de frequentar uma escola primária com um grande recreio. Nos intervalos jogávamos ao mata, ao lencinho, à macaca, ao arco, à bilharda, à corda, escondidas, cabra cega e tantas mais.

Muito perto da escola havia um bosque para onde íamos brincar. Com as folhas dos carvalhos centenários fazíamos chapéus e vestidos; coziam-se com carumas. Realmente, deviam ser a delícia de muitos estilistas!

No bosque há agora um campo de futebol! Que tristeza!!!

Mas todos trabalhávamos além de estudar. Ajudávamos a plantar batatas, a descascar feijão e ervilhas, nas vindimas, fazíamos recados, íamos apanhar lenha ao pinhal e, na altura dos míscaros (também chamados sanchas), era um regalo esgaravatar o manto de carumas para os encontrar. Em casa também nos eram atribuídas tarefas.

Atualmente, as crianças e os jovens passam o dia fechados em ATL.s, sala de estudo e sobretudo nas salas de aula porque já não há intervalos grandes. Na rua não há segurança e os poucos parques são esventrados por prédios que bloqueiam a luz do sol. Estão a ser sacrificados, especialmente nesta fase de pandemia. Enclausurados em casa, agarram-se à televisão, computador ou telemóvel.

Mas devem ter deveres: fazer a cama e arrumar o quarto, pôr a mesa, ajudar a meter a louça na máquina, entre outras.

Nunca esquecerei que, quando mandava a minha filha arrumar a bagunça do quarto, metia tudo nos gavetões às três pancadas, limpo e sujo. "Temos uma empregada para quê?" Agora o filho faz o mesmo e ela fica muito irritada.

Sou visceralmente contra a exploração do trabalho infantil!

No entanto, vi imensos filmes em que os miúdos trabalham em part-time. Fui consultar a legislação americana e o trabalho dos jovens é discriminado por idades, tarefas, época escolar ou férias e o número de horas diárias que os autorizam a desempenhar. Podem iniciar algumas a partir dos 13 anos. (1)

Em Portugal é proibido o trabalho de menores em idade escolar, por respeito ao princípio do livre desenvolvimento da personalidade. Os menores a partir dos 16 anos podem prestar trabalho depois de concluírem a escolaridade obrigatória, caso se encontrem física e psiquicamente preparados para tal. (2)

É de salientar que a escolaridade obrigatória é agora até ao 12º ano!!!

Também não existe o hábito e tradição de as empresas proporcionarem essa experiência.

Na minha opinião, é positivo que os jovens contactem com o mundo do trabalho e com vários tipos de profissão. Que se habituem a ganhar um dinheirinho de bolso para comprar algo de que gostem e que se habituem também a poupar.

Será vantajoso que presenciem dificuldades e vantagens, podendo deste modo construir a própria vocação e alterá-la à medida que tenham mais maturidade e, sobretudo, nunca escolher por objectivos monetários mas sim porque gostam do que fazem.

E nunca se deixar influenciar!


Não quero, não

Não quero, não

Não quero, não quero, não,

ser soldado nem capitão.

Quero um cavalo só meu,

seja baio ou alazão,

sentir o vento na cara,

sentir a rédea na mão.

Não quero, não quero, não

ser soldado nem capitão.

Não quero muito do mundo:

quero saber-lhe a razão,

sentir-me dono de mim,

ao resto dizer que não.

Não quero, não quero, não,

ser soldado nem capitão. (3)


Parada? Não quero, não quero, não!


Lurdes Aleixo Dias


(1) Departamento do Trabalho dos Estados Unidos da América, Divisão de Horas e Salários, Trabalho de menores de Idade;

(2) Fundação Francisco Manuel dos Santos; 

(3) Poema de Eugénio de Andrade integrado na obra Aquela nuvem e outras, 1986.