As nossas escolhas

11-12-2021

Há frases que te marcam, frases que uma vez ouvidas ou lidas te ficam gravadas na memória.

Li uma vez num livro, há muitos anos atrás, a frase: "a vida é feita de escolhas". Era dita pela personagem principal mesmo no final do livro, dita por uma mulher que perdeu tudo, família, amigos, riqueza,... devido às suas escolhas.

É uma frase aparentemente banal, quase um lugar comum, mas o contexto em que ela me apareceu fez toda a diferença. Marcou pela lucidez e coragem da personagem em assumir que não podia culpar ninguém a não ser a ela própria e às suas escolhas pelo que lhe tinha acontecido.

E desde então uso muitas vezes esta frase, com os outros mas sobretudo para mim própria.

A maioria das pessoas tem dificuldade em escolher.

Há pessoas que acham que fazem sistematicamente "as escolhas erradas".

Há pessoas para quem até o prato numa ementa de restaurante parece uma decisão de vida ou de morte.

Há pessoas que hesitam com duas alternativas em jogo quando têm zero de informação sobre cada uma delas. Hesitam mesmo que não decidir seja pior que decidir e mesmo que só seja possível descobrir se foi ou não a melhor decisão depois de avançarem.

Há pessoas que depois de uma escolha correm a validar se foi a certa. Estão a ver aquele amigo/a (só para não dizer que sou eu que é chato) que compra uma camisola e depois entra em todas as lojas para ver se foi a mais barata ou a mais bonita?

E também há pessoas que uma vez feita uma escolha, aconteça o que acontecer, nunca voltam atrás.

As pessoas têm dificuldade em escolher essencialmente por medo, medo do que deixam e/ou medo do que vão encontrar. As pessoas que nunca voltam atrás, mesmo sabendo que a decisão não foi a certa, também o fazem por medo, medo de reconhecerem perante si próprias e perante os outros que fizeram "a escolha errada".

Há um sobreiro no meu monte que aparece na maioria das fotos que tiro. Ele é muito fotogénico, mas é sobretudo muito especial para mim. Esse sobreiro foi uma escolha.

A dada altura, quando ainda só tinha pouco mais de um metro de altura, tinha dois troncos um para cada lado que eram filhos do sobreiro original. Aquilo não crescia e estava a ficar estranho.

Um dia num fim de tarde estava por aqui o Sr. Zé Maria naquele gesto alentejano típico, sentado num banco de braços cruzados a olhar o horizonte, e disse: "Se não cortarem uma das braças ele nunca mais vai crescer".

O Sr. Zé Maria é quem nos tem feito a maioria das obras aqui no monte e que nos tem ajudado nas plantações dos pinheiros e dos medronhos quando são precisas manobras de um trator grande ou simplesmente dando-nos conselhos. O Sr. Zé Maria é o nosso Panoramix, o druida gaulês da banda desenhada do Astérix. Não pela figura, que ele é um alentejano baixinho e gordinho e o Panoramix é alto e esguio, mas pela personalidade. Tem um ar fleumático, embora já o tenha visto virado (o Panoramix também), é muito determinado e de grande sabedoria.

Para mim cortar uma árvore é quase crime e no tamanho que estavam já as braças, aquilo não era uma poda, era mesmo um corte valente. O Sr. Mário, o nosso canalizador/hortelão que gosta mais de horta que de canos, é como eu, também não gosta de cortar nada, e o falecido Nogueira, o caseiro da quinta de Viseu, era igual, não gostava nada de cortar árvores, ia dizendo que sim mas nunca cortava nada.

"Ó Sr. Zé Maria eu não tenho coragem, não me atrevo e nem saberia escolher qual braça cortar", disse-lhe eu.

" D. Hélia, um dia destes venho cá e faço isso".

E assim foi, um dia apareceu e, sem hesitações, pegou numa serra elétrica e, aqui vai disto, cortou uma das braças. Desde então o sobreiro não parou mais de crescer e ficou bonito como eu posso provar pelas dezenas, senão centenas, de fotos de pôr do sol onde ele aparece majestoso.

Eu cá ganhei coragem e já tenho podado uns quantos. Pois, às vezes é mesmo preciso cortar para crescer...

Aqui no monte há vários fenómenos do "entroncamento". Coisas que são semeadas não por nós mas pelo vento. Favas que aparecem no meio do caminho, um pé de figueira que nasce no meio da vinha, vários sobreirinhos espalhados por tudo quanto é canto, uma flor de S. João em cima de um jacarandá, uma nespereira que nasce em cima de uma cameleira,...e por cada um destes fenómenos é necessário decidir se arranco ou se deixo ficar, é preciso decidir quem parte e quem fica.

E, como na vida, as decisões podem ser fáceis ou difíceis, mas o tempo que tens para as tomar não é eterno. Se não decides arrancar um sobreirinho enquanto ele tem um palmo de altura já não o arrancas, perdeste a oportunidade.

E outras decisões têm que lidar com conflito de interesses. Foi o caso da cameleira e da nespereira.

Esta cameleira já cá estava desde que comprámos o monte e por isso, porque a nespereira é que era a invasora, com o ar mais natural do mundo, virei-me para o Sr. Mário e disse:

"Ó Sr. Mário já viu que nasceu uma nespereira em cima da cameleira? Temos que a arrancar!", este plural majestático que uso quando lhe quero pedir alguma coisa.

"Ou arrancar a cameleira..." respondeu ele de seguida, provavelmente a pensar que este pessoal da cidade não bate bem "da bola".

Pois, este é um conflito de interesses. Para o Sr. Mário, as flores não se comem e por isso passam sempre para segundo plano. Desde cedo que ficou claro que ele cuidava da horta e eu das flores. É claro que ele gosta das minhas flores, em particular do chorão de cor de fogo que abraça a oliveira, mas nunca será uma prioridade para ele.

Com isto tudo entrei numa de "que se lixe". Ele não ia cortar a nespereira, eu não ia cortar a cameleira. Elas que decidam! E deixei-as ficar e a nespereira fez-se grande e já de lá não sai. Vou ter uma cameleira, que nunca será árvore porque está abafada mas que é um arbusto bonito debaixo de uma grande nespereira. Não me parece mal.

E nos conflitos de interesses às vezes as escolhas são mesmo assim, umas vezes alguém sai outras vezes arranja-se maneira de duas espécies em conflito se adaptarem.

É assim também com muitos relacionamentos, é assim com muitos empregos.

Nos meus últimos anos da IBM estive doente com muita frequência, com crises do meu síndroma do cólon irritável. Um dia, a Dra Maria João, minha médica gastroenterologista de há 30 anos disse: "Olhe, não é do que você come. Portanto, ou deixa o seu emprego ou muda de filosofia de vida e arranja uma maneira de lidar com o dia a dia de uma forma tranquila". E a minha escolha nessa altura foi mudar de filosofia de vida e, anos mais tarde, a minha escolha foi sair.

Não há escolhas erradas. As nossas escolhas são o que podemos fazer a cada momento.

Há sim escolhas que, no imediato, nos trazem um resultado mais feliz do que outras. Mas são escolhas que vistas ao longe, vistas de cima ou vistas com o olhar de Panoramix, que tem este nome porque tem um olhar panorâmico, nos trazem sempre algo.

Podes decidir que és infeliz porque estás doente, ou ver uma mensagem no teu estado e fazer da tua doença a tua força.

Podes decidir que o vento te incomoda ou deixar-te acariciar por ele.

Podes decidir que vais ficar chateado porque estás fechado em casa ou podes aproveitar esse momento único para olhar para ti, para os teus objetos, para os teus relacionamentos, para o que te serve ou não, e aprender coisas novas sobre ti e sobre o mundo.

Podes aprender que há outras formas de conexão que ainda não tinhas explorado...

Sim, a vida é feita de escolhas e, não sei se foi uma escolha ou um apelo, mas hoje a viagem foi por aqui!

Hélia Jorge