As Emoções vistas no Desafio da Escrita

A tristeza é uma emoção / Inerente à própria Vida / E num ou outro momento / Por todos ela é sentida! Não devemos fugir dela / Antes senti-la, vivê-la / Na devida proporção / Porque se for recalcada / Ou no tempo prolongada / Pode dar em depressão! ....
As Emoções vistas no Desafio da Escrita
As perguntas que foram feitas e para cada uma houve uma resposta:
1. Qual foi a última vez que te sentiste verdadeiramente feliz? O que causou essa alegria?
2. Lembras-te de um momento em que sentiste medo? Como é que o teu corpo reagiu e o que fizeste para superar?
3. Já experimentaste uma tristeza profunda? Como descreves essa sensação em palavras?
4. Quando foi a última vez que sentiste raiva? Como expressaste essa emoção?
5. Existe alguma emoção que tens dificuldade em partilhar com os outros? Porquê?
6. O que sentes quando alguém te dececiona? Como lidas com essa emoção?
7. Como identificas o que estás a sentir? Costumas refletir sobre as tuas emoções?
8. Alguma vez já usaste a escrita, a arte ou a música para expressar uma emoção forte? Como foi essa experiência?
9. Se pudesses transformar uma emoção em poesia, qual escolherias e que palavras usarias?
10. Se tivesses de escrever uma carta para uma emoção, para qual seria e o que dirias?
1. Qual foi a última vez que te sentiste verdadeiramente feliz? O que causou essa alegria?

A última vez que me senti verdadeiramente feliz? Foi hoje. Sim, hoje, no exato momento em a luz da manhã entrou pela janela e eu acordei. Foi naquele instante que saí do sonho e senti o meu corpo despertar. Primeiro uma respiração, profunda e serena, recebendo o ar fresco da manhã. Depois, um a um, os sentidos despertaram, preparando-me para um novo dia. Espreguicei-me e saí da cama. A felicidade veio assim, silenciosa e plena, no simples reconhecimento de estar viva, de ter recebido mais um dia como presente. Não foi uma felicidade estrondosa, não foi um momento extraordinário - foi a alegria serena de perceber que cada amanhecer é, em si mesmo, um pequeno milagre. Senti-me grata por cada músculo que se movia, por cada pensamento que começava a formar-se, pela sensação de frescura que me envolveu, pelo silêncio que havia no ar. Era como se cada parte de mim celebrasse o simples e extraordinário ato de estar ali, de estar consciente, de estar pronta para mais um dia. Esta felicidade do despertar é uma alegria antiga e sempre nova, um contentamento que se renova a cada alvorada. É a felicidade de quem compreende que cada dia é uma nova oportunidade. É a alegria de quem sabe que estar vivo e bem é o primeiro e mais precioso presente que podemos receber. E assim, mais uma vez, descobri que a verdadeira felicidade não precisa de grandes acontecimentos ou momentos extraordinários. Ela está aqui, no milagre quotidiano do despertar, no privilégio de poder abrir os olhos para um novo dia e sentir-me plena, completa, pronta para usufruir mais um dia de vida.
Ana Paula Melo, março 2025
2. Lembras-te de um momento em que sentiste medo? Como é que o teu corpo reagiu e o que fizeste para superar?

Medo nas alturas
No início de novembro de 89, parti para a cidade de Frankfurt para um estágio profissional. Era a primeira vez que viajava sozinha de avião, e para o estrangeiro. Estava entusiasmada com esta oportunidade de passar um mês fora por minha conta, mas, naturalmente, também um pouco nervosa. Lá fui para o aeroporto com a minha grande mala, cheia de roupa quentinha e, após as formalidades habituais e algum tempo de espera, encontrei-me finalmente sentada no avião. Era um avião enorme, um Boeing daqueles com uma ida de pelo menos 3 lugares no corredor central, além das filas laterais, e ia cheio. A viagem foi tranquila, fui-me entretendo com a televisão, a comida, o livro que levei para ler. Aos poucos, fui relaxando. De repente, estaríamos a minutos de aterrar, acenderam-se as luzes dos cintos de segurança e um anúncio do pessoal de bordo avisou que iríamos atravessar uma forte tempestade que tinha eclodido sobre Frankfurt. O ambiente ficou imediatamente tenso. As conversas cessaram, instalando-se um silêncio receoso. Já fiz várias viagens de avião com zonas de turbulência. Mas o que ali passámos nada teve a ver com isso. À medida que íamos descendo para a cidade, o avião abanava cada vez mais. Aquele gigante que até ali orgulhosamente cruzava os céus, estava agora completamente dominado por eles. Negro como breu, o céu era iluminado pelos relâmpagos, a que se seguiam ensurdecedores trovões que tudo faziam estremecer. Estávamos literalmente a atravessar as nuvens da trovoada para conseguir descer para o aeroporto. À minha volta, havia pânico. Os casais davam as mãos, os pais tentavam acalmar os filhos. Ouviam-se gritos cada vez que mais um relâmpago cruzava os ares. Estando sozinha, e não tendo a quem dar a mão, agarrei-me com a toda a minha força aos braços da cadeira e pressionei os pés contra o chão. Fechei os olhos para não ver os relâmpagos que se repetiam incessantemente. E rezei. Rezei, rezei para voltar a ver os meus pais e todos os que amava.
Passado o que pareceu uma eternidade, mas provavelmente não passou de uns minutos, finalmente saímos do cerne da tempestade e começámos a descer para o aeroporto, acabando por aterrar em segurança. O alívio sentido por todos nós foi avassalador. Instintivamente, todos os passageiros começaram a bater palmas. Eram palmas de felicidade e alívio, mas também de reconhecimento, do mérito e mestria daquele piloto que tinha aterrado aquele gigante em circunstâncias tão adversas. Quando as portas abriram, levantei-me, recolhi as minhas coisas e dirigi-me à saída, descendo as escadas para uma Frankfurt abafada, coberta por um céu ainda carregado de tempestade, mas, apesar disso, entusiasmante. Estava viva, sã e animada com esta aventura e tudo o que a mesma me reservava. Mal imaginava que, passados uns dias, cairia o muro de Berlim e uma nova era começaria na história da humanidade. Mas isso, já seria material para outro texto.
Luísa Chaves, março 2025
3. Já experimentaste uma tristeza profunda? Como descreves essa sensação em palavras?

A tristeza é uma emoção / Inerente à própria Vida / E num ou outro momento / Por todos ela é sentida! Não devemos fugir dela / Antes senti-la, vivê-la / Na devida proporção / Porque se for recalcada / Ou no tempo prolongada / Pode dar em depressão!
Não podendo ser evitada / Ela, é comum e abunda. / Deseja-se que seja rara / A mais grave…a mais profunda! / E essa, / só as palavras Fortes, duras, arrepiantes / A poderão descrever: Dor, desespero, revolta / Apatia, isolamento, / Alteração do pensamento, / Desinteresse por Viver!
Leonor Alvito, março 2025
4. Quando foi a última vez que sentiste raiva? Como expressaste essa emoção?

Tem dias que parece que tudo começou já com o pé esquerdo. O café derramado na blusa branca, pois na pressa de sair tudo é feito as pressas e depois aquela topada no pé da cama, foi a gota d'agua para a raiva brotar e explodir pela boca através de palavras nada lisonjeiras. Se naquele momento eu tivesse uma luva de box, com certeza eu acertaria naquela cama. A raiva, veio com uma enorme força, tive vontade naquele momento de abrir a janela e dar um berro, daqueles semelhantes a sirenes de ambulância, alto e irritante. A raiva quando vem chega a cegar, depois vai amainando, como o descer de uma escada, desce degrau a degrau, depois de ter subido como um foguete. Vai surgindo então de mansinho, a frustração e o arrependimento, por ter feito algo ou por não o ter feito. Voltando a minha topada no pé da cama, bem, eu não abri a janela, não gritei aos sete ventos, mas o vulcão da raiva dentro de min, ele sim, explodiu em lagrimas. Lagrimas que escorriam, sem que eu ao menos sentisse ou me apercebesse. Só notei ao sentir o rosto queimar como que em brasa, a brasa da raiva contida e escoada por grossas lagrimas quentes. Eu senti-me exaurida, a raiva, por fim, esgotou-se em mim. Levantei-me lavei o rosto, calcei o sapato, peguei o guarda-chuva e sai, afinal a água da chuva lavou o restante da raiva que ainda tinha escondida por entre os cantos dos meus pensamentos. Cheguei ao meu encontro com as amigas, e ao conversarmos, contei-lhes a proeza da topada. Ao relatar o ocorrido, a história ressoou mais engraçada do que realmente foi.
Simone Souza, março 2025
5. Existe alguma emoção que tens dificuldade em partilhar com os outros? Porquê?

Certamente será o medo, pois engloba muitas outras emoções que, também, tenho dificuldade em partilhar. O medo é um pesadelo que mesmo depois de acordada persiste. A verdade é que só tem poder e realidade se quisermos acreditar nele. É impotente, não cria nada, só cria mais medo, que nos pode drenar toda a energia. Não é, de todo, bom conviver com ele.
O medo é invisível, não existente, mas presente e influente em muitas situações por que se passa na vida. Pode ser só um, mas toma várias formas. Contudo o medo é uma ilusão a ser quebrada.
Medo de olhar para dentro e de não ver nada ou ver tudo.
Medo de olhar para fora e deparar-me com um deserto árido.
Medo do coração, de me aprofundar no sentimento. A mente é mais segura. Com a mente eu meço, cálculo, sei para onde vou, com o coração não sei onde estou, ninguém está comigo.
É o medo do vazio, de não ser nada, ser, tão só, existência. É assustador enfrentar e dissipar o medo, enfrentar o vazio interior.
O medo de ser muito e não ser capaz de o sustentar. De ferir, de ser ferida, de estar sozinha, mesmo acompanhada.
Medo de procurar, encontrar e não encontrar, conseguir e não conseguir, ficar frustrada.
Medo de me perder nas viagens interiores meditativas pelo universo, de enlouquecer.
Medo de perder algo ou alguém.
Medo de me expor a estranhos, medo da intimidade. É mais seguro ter uma certa defesa.
Medo de morrer, morrer para o mundo, morrer para algo, para alguém. Medo do desconhecido, da incerteza, medo da vida.
Medo do interior, do escuro. Lá fora há mais luz.
O medo da ilusão e suas consequências, de cair no abismo onde não há referências. Ninguém está ali. Não há um mapa, só um tremendo medo.
A vida é um perigo constante. Morremos a todo o momento. Já a morte é segura. Para quê o medo, então?
Inês Melo, março 2025
6. O que sentes quando alguém te dececiona? Como lidas com essa emoção?

A decepção é um choque silencioso. Ela chega sem avisar e rasga a confiança com a sutileza de uma lâmina afiada. Quando alguém nos decepciona, é como se um espelho se partisse dentro de nós – o reflexo daquela relação já não é o mesmo. Sentimos o peso da desilusão nos ombros, a ferida da expectativa frustrada e a confusão de não reconhecermos mais o outro naquilo que acreditávamos ser verdade.
Um dos maiores impactos negativos da decepção é a quebra da confiança. Construímos laços acreditando na reciprocidade, no respeito e na integridade. Quando esses pilares são abalados, surge um vazio difícil de preencher. Começamos a duvidar não só do outro, mas de nós mesmos: Como não vi isso antes? Como pude acreditar? Essa autocrítica pode ser destrutiva, levando-nos a erguer muralhas onde antes havia pontes.
Outro ponto negativo é o peso emocional que a decepção carrega. A dor mistura se com raiva, tristeza e frustração. Às vezes, queremos afastar-nos, outras vezes, queremos respostas que nunca virão. E no meio desse turbilhão, corremos o risco de alimentar ressentimentos que apenas nos prendem ao passado. A decepção pode endurecer o coração, tornar-nos céticos e fechar-nos à vulnerabilidade, impedindo novas conexões genuínas.
Mas há algo que, com o tempo, se revela: a decepção também ensina. Ela é um mestre silencioso que nos convida a olhar para dentro. No meio da dor, surge a oportunidade de aprender sobre os nossos próprios limites, sobre a importância de escolher conscientemente as pessoas que permitimos entrar no nosso espaço emocional.
Cada decepção é um espelho que reflete onde ainda precisamos crescer. Ela ensina-nos a confiar em nossa intuição, a estabelecer fronteiras saudáveis e a aceitar que ninguém é perfeito – nem nós, nem os outros. Aprender a lidar com essa emoção não significa ignorá-la, mas sim acolhê-la como parte da jornada. Com o tempo, a dor se dissolve, a confiança renasce – e seguimos mais fortes, mais sábios e, sobretudo, mais conscientes de quem somos.
Porque, no final, a decepção não define quem somos, mas o que escolhemos aprender com ela.
Claudia Girelli, março 2025
7. Como identificas o que estás a sentir? Costumas refletir sobre as tuas emoções?

Sou emotiva e identifico bem as minhas emoções. Porém não me detenho a refletir sobre emoções já passadas. Não as camuflo, mas também não as empolgo nem faço por reviver os momentos que as desencadearam, pois, o motivo que as originou já passou.
Quando acontece a ação que desencadeia determinada emoção sinto-a de imediato, pois sou bem primária no meu sentir. No entanto, essa reação ao acontecimento só é imediata e exteriorizada, se algo é inadiável ou se apresenta algum perigo iminente. Pelo contrário, se não houver tal necessidade, paro, analiso, deixo-me acalmar e tento ultrapassar o que a originou.
Teresa Pedrosa, março 2025
8. Alguma vez já usaste a escrita, a arte ou a música para expressar uma emoção forte? Como foi essa experiência?

Já, e foi uma experiência gratificante quase para transmutar a emoção e direcioná-la no prazer da partilha ao outro do sentimento que gerou algo transcendente e fazer esse paralelo através de um poema carta ou até música fazendo transbordar a expectativa e a emoção no sentir do outro é a gratificação de um momento que pode ser belo ou não, mas que une laços internos de emoção aprendizagem e reconhecimento.
E é muito bom porque entrelaçar poesia ou música com a emoção molda uma forma de conexão com o ser e o estar.
A escrita, a arte e a música são pontes vivas para as minhas emoções. Já as usei para celebrar a alegria, para navegar a saudade, para transformar o que sinto em algo que os outros possam ver, ler, sentir. Lembro-me do poema que fiz para alguém cada escolha é uma forma de expressão do que vibra dentro de mim.
E, para mim, essa experiência é plena, natural e essencial. Porque não sou apenas alguém que sente - sou também aquela que consigo transformar sentimentos em arte.
Maria Irene Batista, março 2025
9. Se pudesses transformar uma emoção em poesia, qual escolherias e que palavras usarias?

Emoção: Vergonha
Palavras: acanhamento, timidez, embaraço, recato, auto-estima, medo do julgamento, ansiedade, sofrimento por antecipação, humilhação, imperfeição, indigna de amor e de pertencimento.
A Vergonha saiu à rua
A Vergonha acordou agitada. Hoje era o dia do almoço mensal com os seus amigos do clube das emoções.
Amigos de infância, há anos que repetiam estes almoços e para ela era sempre um momento esperado mas que lhe causava muita ansiedade.
Lá iriam estar a Alegria, a Tristeza, a Raiva, o Orgulho, o Medo, a Surpresa, a Repulsa e alguns outros.
Apesar de ser um acontecimento que se repetia há anos, a Vergonha não conseguia evitar um certo sofrimento por antecipação.
Na sua cabeça desenhava múltiplos cenários sem fim de como o almoço iria decorrer, cenários que lhe consumiam a energia e lhe deixavam uma enorme vontade de inventar uma desculpa e não ir.
Mas sabia que esse almoço era importante. A Ana, a sua psicóloga, falava-lhe muitas vezes da necessidade de sair do seu casulo, de conectar-se com os outros, de trabalhar a sua auto-estima e o seu sentimento de embaraço, de lhes dar voz em vez de os esconder dos outros e o que era pior, de os esconder de si própria.
Isso era fácil de dizer, mas como fazer se até a decisão do que levar vestido era um problema?
Abria o armário e não se conseguia decidir. Não podia ir de escuro para evitar o comentário "Ó amiga parece que vens para um enterro" nem muito garrida ou 14 produzida para evitar o "Uau, hoje a nossa amiga esmerou-se!!!!". Sobretudo não dar nas vistas, evitar comentários, evitar ser o centro das atenções, evitar o julgamento dos outros. Bom ou mau, o julgamento dos outros causava-lhe sempre um mau estar e a maioria das vezes fazia crescer um calor que lhe subia às faces e a denunciava.
Sim, esse era outro dos problemas é difícil esconder a vergonha quando te fica estampada na cara.
E o que dizer quando a inevitável pergunta do costume surgisse "então, o que tens feito?"
"Ah, nada de especial", dizia sempre com acanhamento pensando na sua vida sem cor.
Nem sequer era verdade, como sempre reconhecia quando ouvia os relatos dos outros. "Eu também podia ter contado isto", pensava. Mas por timidez ou recato nunca se sentia à altura de poder partilhar a sua vida.
Gostaria de ser como a Alegria ou como o Orgulho.
Para a Alegria tudo era uma festa. As mais pequenas coisas da vida eram uma oportunidade de celebração. E ela era mesmo autêntica e genuína não usava daquele falso positivismo que parece estar na moda. Simplesmente adorava tudo na vida e ouvir as suas partilhas fazia muito bem à sua alma.
O Orgulho era diferente, por vezes considerado vaidoso, era de facto uma pessoa que reconhecia as suas qualidades, sem falsa modéstia, uma pessoa que se desafiava sempre, que saía da sua zona de conforto e que considerava que reconhecer e partilhar com outros o que se consegue é a melhor forma de ter confiança no futuro. E, de facto, era um encanto ouvi-lo porque tinha sempre novidades interessantes para contar da sua vida.
Até ouvir a Tristeza era bom. Embora estivesse sempre concentrada nas desgraças suas e alheias, esta sua amiga tinha pelo menos a coragem de partilhar com os outros o que a atormentava e até apreciava a ajuda e conselhos que lhe pudessem dar.
Também a Raiva sempre a protestar com qualquer coisa, ora era o trânsito, a guerra, o cão da vizinha... ou a Repulsa, com as suas esquisitices do costume, falavam. Todos falavam… menos ela. Mas não conseguia, era mais forte que ela, tinha medo do ridículo, da humilhação. Alguns anos de psicoterapia, trouxeram-lhe à luz que tudo isso vinha da infância, do seu passado, que a tinha feito sentir-se imperfeita ou indigna de amor e de pertencimento. Mas o passado é passado, é preciso dar a volta por cima e se não era com os amigos, o seu porto de abrigo, com quem seria? quando o faria?
Por isso, decidiu que hoje era o dia.
Vestiu o seu vestido de linho verde pistachio, uns brincos e um colar que ela própria tinha feito, umas sandálias bege bonitas mas simples e despretensiosas e colocou à tiracolo o saco de pano onde tinha desenhado e bordado uns passarinhos. Escolheu um desenho e um poema seus para oferecer a cada um dos seus amigos, escreveu uma dedicatória personalizada, colocou tudo no saco e saiu para o restaurante.
Eram presentes singelos, tão somente uma parte de si, mas uma parte que nunca tinha mostrado a ninguém porque não os valorizava. Eram também um gesto simples de gratidão, afinal eles tinham estado sempre lá para ela todos estes anos.
Embora com grande embaraço, no início do almoço, antes que a coragem lhe faltasse, virou-se para os amigos, e já a sentir um rubor nas faces e o coração a galope. disse:
"Hoje trago um presente para vocês".
Era um pequenino passo para muitos, mas gigante para ela, a reação de surpresa e alegria dos amigos deu-lhe uma sensação de leveza que nunca mais iria esquecer.
Este pode bem ter sido o primeiro dia do resto da sua vida! O dia em que a vergonha saiu à rua e se libertou!
Hélia Jorge, março 2025
10. Se tivesses de escrever uma carta para uma emoção, para qual seria e o que dirias?

Se tivesse de escrever uma carta para uma emoção escreveria ao Medo, não na perspetiva de resposta de sobrevivência perante uma ameaça real que me permite lutar ou fugir, mas do ponto de vista de me limitar e castrar sem que haja razão para isso, quando é apenas resultado de uma perceção ou sensação falsa que faz sofrer por antecipação de algo que pode nem acontecer ou que as probabilidades são mesmo ínfimas, sendo apenas um mecanismo de defesa por resistência ou acomodação.
Quantas vezes deixei de fazer algo por medo do desconhecido e arranjei justificações no que poderia correr mal, no medo de dar um passo, de avançar para o desconhecido ou para o incerto. É a esse tipo de medo que escrevo esta carta, para lhe dizer que o melhor que fiz e continuarei a fazer é não me deixar petrificar, e limitar, e condicionar, porque se o fizesse não aproveitaria inúmeras oportunidades que só a temeridade ou bravura de seguir em frente e experimentar e arriscar, me permitiram usufruir delas.
A sentir tensão, aumento da frequência dos batimentos cardíacos, na frequência da respiração, a mente mais alerta, que seja por entusiasmo e pela adrenalina de vencer os obstáculos e não pelo Medo.
Luísa Pires, março 2025