A idade rejuvenesceu!
Quando era criança, uma pessoa com cinquenta anos já me parecia uma avó, um estatuto muito digno. É verdade que naquela época era comum haver muitos avós com cinquenta anos. Casavam-se muito jovens, e os filhos apresentavam-se de seguida, e estes também ainda mantiveram este ciclo. Sou a mais nova de seis, e os meus irmãos casaram-se com pouco mais de vinte anos. O meu primeiro sobrinho nasceu quando eu tinha nove anos.
A esperança de vida à nascença em Portugal, em 1960, era de 66,4 anos para as mulheres e de 60,7 para os homens; em 2000, a relação aumentou para 79,9/72,9, e 83,4/77,7 em 2020 (1). Com este aumento da longevidade num período de sessenta anos, seria pouco provável que mantivesse a mesma perceção pessoal e civilizacional do fluir da idade face às etapas progressivas do que ainda é o ritmo biológico e social.
Hoje, não é incomum uma pessoa com cinquenta anos ter filhos adolescentes e até mais jovens. A probabilidade de serem avós galgou para os setenta, ou até mais, uma vez que a paternidade é cada vez mais tardia.
As continuadas melhorias na prática e das condições da vida uniram-se para que a sobrevivência deixasse de ser uma preocupação, por um pressuposto fictício de garantida, e as pessoas se focassem no prazer de tirar partido de todas as facilidades que se oferecem. Não estou a generalizar para o mundo, mas para esta franja de população dita ocidental, aqueles que nem sentem que respiram, de tantas garantias com que crescem.
Bom, onde quero chegar é que a idade rejuvenesceu! A atitude e comportamentos dos avós de há décadas não é comparável com aos dos atuais avós.
Parece-me certo admitir que nascer é um processo de envelhecimento por a vida ser isso mesmo: envelhecer. Para mim, envelhecer sempre teve um significado positivo e admitia essencialmente aprendizagem e sabedoria, resolução e adaptação. O declínio do corpo era algo natural e implicitamente aceite. Já o desenvolvimento das capacidades físicas e mentais, a entrega aos afetos e ao encantamento amoroso, a conquista de aptidões comuns ou extraordinárias, os feitos reconhecidos entre pares ou em contexto mais alargado, eram o desafio para chegar àquele ponto para partir com satisfação.
No entretanto, com o aumento da esperança de vida e o avanço das ciências biomédicas, passámos a dar mais atenção à conservação da nossa matéria orgânica. Esse cuidado, aliado à mente sempre ocupada e em contínuo processo de ganhos, faz a imagem dos novos avós: pessoas fisicamente ativas, e até competitivas com as gerações mais novas, e com gosto e capacidade para uma constante adaptação ao quotidiano e à aceleração dos meios ao dispor, com agenda própria, e com a suprema condição de estarem libertados das rotinas profissionais.
Tenho quase setenta anos. Números são números. Envelhecer mantém-se um estado positivo. Mas a minha idade rejuvenesceu. O que faço, a forma como lido e me adapto, o sentimento de confiança e de liberdade com que encaro cada dia, a atitude das pessoas da minha geração e de algumas até um pouco mais velhas, o envolvimento social e cultural, não se coaduna com a imagem, a recordação que tenho dos avós da minha juventude.
Os números, as datas, a contagem mantêm-se inalterados. Mas será que 2+2 são mesmo 4?
Alexandra Carvalho, 1 de Abril 2023
"O que faz?" – perguntaram a Paul Léautaud (2)
"Divirto-me a envelhecer. É uma ocupação a tempo inteiro" (3)
(1) Dados publicados por Pordata no Google
(2) (1872/1956) Escritor francês e crítico de teatro
(3) Tradução livre da citação em "Goodmorning Perla" de Perla Servan-Schreiber