"A escrita" por João Solano

    Apesar de ter produzido três romances e duas coletâneas de contos, além de um livrinho infantil, devo esclarecer que não me considero um escritor. Escritor é aquele que, diariamente, passa horas diante da tela do computador ou de uma folha de papel para anotar suas ideias e desenvolver tramas literárias. Às vezes consegue produzir um longo texto; outras vezes, apenas um parágrafo ou mesmo uma única frase. Não raramente, a página permanece em branco. Mas a rotina se repete no dia seguinte. Não é meu caso.

    Na minha profissão de diplomata, sempre escrevi muito. Relatórios, comunicações e memorandos, além de uma tese sobre Timor Leste e também alguns artigos de imprensa sobre temas relacionados à atividade diplomática. Meu primeiro texto de ficção nasceu em 1986 e tem uma origem curiosa. Naquele ano, conheci um profissional de cinema e TV que me presenteou com um livro seu: "Como escrever um roteiro". Achei interessante e tentei por em prática os ensinamentos do livro: imaginei uma história e passei a elaborar o roteiro para um filme. Mas a tarefa logo me pareceu enfadonha. Melhor escrever um conto, pensei eu, e deixar que um roteirista profissional o transforme em roteiro cinematográfico. E assim nasceu "O Fator onírico", meu primeiro conto. A experiência me motivou a escrever vários outros, inclusive um conto infantil, baseado nas histórias que eu contava para meus filhos. Este - "O Elefante e o Lobo Mau" - foi publicado por uma prestigiosa editora brasileira, mas não foi, nem de longe, um êxito editorial ...

    Os outros contos ficaram a dormir numa gaveta e foi só muitos anos mais tarde, que tive a alegria de vê-los publicados em Portugal (Evoramons Editores/Gradiva), sob o título "Ponto de Encontro". Foi grande a emoção ao ver meus livros expostos na FNAC e na Bertrand. Mas boa parte dos exemplares ficaram mesmo no depósito da Gradiva, pois, uma vez esgotados, as livrarias não faziam novos pedidos.

    Ainda assim animei-me a continuar escrevendo, motivado por personagens e situações com que me deparava e que iam sendo transformados por minha imaginação. Escrevo nas horas vagas, no computador, que tem recursos que facilitam muito a montagem e edição dos textos. Trabalhando num novo conto, deixei-me levar por personagens e tramas que me cativavam e constatei que o texto já passava de 80 páginas. Muito longo para um conto. E assim nasceu meu primeiro romance: "Pretérito quase Perfeito". Enviei a alguns editores e sequer tive resposta. Até que, quando vivia no México, tive o texto vertido para o castelhano. Uma grande editora (Ediciones B, agora Penguin Random House) se interessou pelo romance, mas não gostou do título, por achá-lo pouco atraente para o público, pouco comercial. Revendo o texto com o editor, o "Pretérito casi Perfecto" transformou-se em "Los Fantasmas también mueren". Apesar de minhas resistências iniciais, acabei gostando do novo título e, caso venha a publicar o romance no original, em português, pretendo mantê-lo: "Os Fantasmas também morrem". Mais uma vez tive a satisfação de ver o livro publicado e exposto em boas livrarias mexicanas. Além disso, tive convites para participar de colóquios em universidades e feiras literárias, onde vendi muitos exemplares.

    Nessa época, eu já tinha um novo romance, escrito em meu posto anterior (República Dominicana). Animado com a publicação dos "Fantasmas", mais uma vez tive o texto vertido para o castelhano. O romance intitulava-se "Premonitório" e os capítulos eram apenas numerados, de I a V. Eis que, durante o trabalho de tradução, uma nova idéia me ocorreu: dar títulos aos capítulos. O capítulo V ganhou o título de "Premonitório" e o romance passou a chamar-se "Destinos Anticipados". Por indicação de um colega, também Embaixador, procurei uma editora que gentilmente aceitou editar meu segundo romance. A editora, no entanto, mais especializada em livros técnicos e escolares – Tercer Escalón Editores — não se comprometeu com a divulgação e distribuição da obra. Isto ocorreu às vésperas de minha partida do México, de forma que toda a edição (centenas de exemplares) permaneceu encaixotada e seguiu comigo na mudança.

    Ainda vivia eu no México quando produzi mais um romance, "Morte Natural", cujo manuscrito seguiu comigo para Córdoba, Argentina, meu novo posto. E pela terceira vez tive meu texto vertido para o castelhano. Uma editora cordobesa — Comunicarte — se interessou pela publicação. Estava tudo pronto para o lançamento, que, sem dúvida, teria sido um grande êxito, não fosse pelo surgimento da pandemia de Covid, que nos obrigou a cancelar tudo. O livro nem sequer foi para a gráfica. Frustrante!

    Gosto muito dos meus três romances e acho que se prestariam a boas adaptações para o cinema ou a TV. Mas devo confessar que não tenho paciência para sair batendo em portas de editores e similares. Criar uma obra literária é para mim motivo de grande satisfação; mas ver essa obra dormindo numa gaveta ou no depósito de uma gráfica é fonte de enorme frustração.

    No esforço de ver meus livros divulgados, interessei-me pela edições digitais da Amazon.com - Kindle Store. Ali se encontram todos eles, os textos originais, em português, e as versões em castelhano.

    Sou muito grato ao México, onde, além de ter dois de meus romances publicados, veio-me a inspiração para uma nova coletânea de contos. Fui Cônsul-Geral do Brasil no México e na função de assistência a nacionais me deparei com casos que, conforme eu comentava com meus colaboradores do Consulado, "dariam uma novela". Com isto em mente, produzi uma nova coletânea de contos baseados em minha experiência consular. São textos de ficção, mas inspirados em situações e personagens reais. Eu mesmo financiei a edição de "Plantão Consular".

    Posteriormente, no Brasil, voltei a arcar com as despesas de publicação (Editora Itapuca) de dois romances — "Destinos Antecipados" e "Morte Natural . Finalmente tive meus textos originais, em português transformados em livros! Bem sei que não é o ideal ter o autor financiando a edição de suas obras, mas, como eu disse no início, não me considero um escritor.

João Solano, Setembro/2024