Cecília M. Azevedo

Escrever

Eu teria perto de 8 anos quando a minha mãe me apresentou uma amiga dela que era escritora, Naríade Galvão. Eu, que já nessa altura amava ler, tive uma espécie de epifania: naquele momento dei-me conta que as letras apareciam espalhadas pelas páginas, a formar palavras e linhas e parágrafos que, por sua vez, formavam livros, porque alguém, pessoas de carne e osso, deliberada e inspiradamente assim faziam acontecer. Fiquei a olhar para Naríade, colada ao chão, como se olhasse para uma criatura fantástica!

De vez em quando, pegava nos livros dela e não eram os seus poemas que eu lia - até porque, com aquela idade, pouco percebia deles. Olhava demoradamente para as dedicatórias feitas pela autora para a minha mãe, seguia o recorte da sua letra manuscrita, onde eu pressentia um misto de doce sensibilidade e de ânsia criativa. E pensava que se havia pessoas como a Naríade, então eu também podia ser como elas – eu queria ser como elas. Eu queria escrever livros!

Comecei a escrever com "intenção literária" a partir dos 14 anos. Se bem que a minha maior inspiração fossem os primeiros amores e as primeiras paixões, tudo servia de inspiração: a família, os amigos, as notícias e as emoções à flor da pele, tão próprias da adolescência. Escrevia sobretudo poemas.

E é de poesia e de prosa poética, o meu primeiro livro.

O segundo é uma pequena novela, sobre um personagem ficcionado que viveu em Lisboa na segunda metade do século XX. Não me inspirei em ninguém em particular, mas sim numa frase que durante dias se "instalou" na minha cabeça. A certa altura resolvi pegar nessa frase e comecei a fazer experiências com ela, a ver onde é que me poderia levar (na verdade, penso que a intenção era livrar-me dessa insistente frase!) E levou-me até ao meu protagonista, ao local onde a sua história se passou, aos personagens que o rodeavam e às suas circunstâncias.

Foi um exercício muito gratificante, onde a imaginação comandou o curso da escrita. Bom, imaginação e alguma investigação, já que o personagem me "conduziu" até Alcântara e, dado que eu pouco conhecia daquele bairro, tive que pesquisar um pouco.

O terceiro livro nasceu de um desafio: um concurso para um conto infantil. Neste caso, a inspiração foi muito concreta: os meus sobrinhos! Sabia muito bem sobre quem queria escrever, o que queria escrever e para quem queria escrever. De tal forma que, a partir de certa altura, comecei a sentir que o regulamento do concurso me limitava a ação e me cortava a imaginação. Rapidamente abandonei a ideia do concurso e resolvi manter-me fiel ao meu plano inicial. Bem sei que sou suspeita, mas penso que o resultado final ficou bem melhor!

Tenho mais dois livros planeados para o futuro. Um deles é uma biografia, escrita em conjunto com a pessoa que me inspirou a escrevê-la: uma mulher notável, sábia e generosa, grande contadora de histórias e que é uma das minhas referências de vida. Espero publicá-lo daqui a muitos anos, já que a minha coautora prefere que eu não publique enquanto ela estiver neste plano terreno. "É que ainda há muita gente viva", disse-me ela quando acabámos de escrever a nossa obra!

O outro é um romance que já tem a estrutura preparada. Será inspirado em pessoas que conheci ao longo da vida e em pessoas que não conheci, mas cujas histórias cruzaram o meu caminho ou me foram transmitidas por terceiros. Terá como tema a complexidade e a delicadeza dos relacionamentos humanos e de como por vezes são as pessoas aparentemente mais frágeis e ostracizadas que têm a capacidade de salvar vidas e de inspirar o mundo.

Mais recentemente descobri um outro tipo de escrita: a terapêutica.

Fui desafiada por uma pessoa amiga a criar oficinas de Escrita Terapêutica. Descobrir e implementar esta ferramenta foi muito revelador e partilhar este conhecimento nas oficinas tem sido muito gratificante e muito inspirador.

Ao contrário da escrita literária, na terapêutica o facto de alguém saber ou gostar de escrever é secundário. O objetivo é canalizar a palavra escrita para uma ou mais circunstâncias que se pretenda abordar – situações que causem stress regular, pensamentos recorrentes, apenas para citar dois exemplos – e identificar uma ou mais técnicas que ajudem encarar essas circunstâncias sob novas perspetivas.

As técnicas podem ir de uma coisa simples, como uma lista, até outra aparentemente mais complexa, como uma entrevista. Entre estas usadas como exemplo, existem algumas outras técnicas que cada pessoa pode usar, conforme aquela ou aquelas com que se identificar mais e que funcionem melhor para si.

Entre um e outro tipo de escrita, que nunca me faltem as palavras.

E agradeço à minha mãe ter-me apresentado à amiga Naríade, a minha Musa inspiradora!

Cecília M. Azevedo
Setembro 2024